sábado, 10 de agosto de 2024

Malmo

Turning Torso

Fico sempre nervoso quando atravesso as fronteiras e tenho de fazer check-in nos aeroportos, apesar de ter tudo em ordem. Faz parte de mim: penso que vão implicar com qualquer coisa, que os vasilhames não tem o volume adequado, que me esqueci de algum documento. Ouvi no comboio a informação sonora para preparar a identificação. Iria entrar noutro país. Nada me foi pedido, tudo correu tranquilamente ao atravessar a ponte de Oresund.

A Suécia e a Dinamarca são países do espaço Schengen, cada um com a sua unidade monetária. Ambos  na União Europeia, fora da zona Euro. Evidência  de que a UE é um espaço de  vulnerabilidades e desigualdades, dando a falsa ilusão de igualdade económica e social  entre os países por fazerem parte do mesmo espaço. Portugal está numa situação de grande atraso económico. É visível, sente-se. De que serve a UE se as desigualdades continuam a acentuar-se? Se existem países dentro da UE com moeda própria e não se regulam pelas mesmas regras e apertos bancários?

A Dinamarca vai exercer maior controlo sobre as entradas vindas da Suécia. Os problemas com os gangues aumentaram, existe o receio de atravessarem a fronteira e extravasarem as suas lutas violentas. A Suécia é um país cosmopolita conhecido pelas políticas de asilo, por receber milhares de refugiados – um dos países mais acolhedores do mundo. Mas com problemas graves de integração: milhares de jovens, filhos de emigrantes, organizaram-se em bandos marginais. São recorrentes as notícias de conflitos e erupções de violência nas principais cidades. Algumas destas notícias surgiram no meu telemóvel e não foi necessário ligar o  GPS, bastam os dados móveis e o servidor do país para aceder à localização. É medonha a falta de privacidade e o que as empresas podem fazer sabendo onde se está. Neste caso, foram apenas notícias, podiam ter sido lojas, produtos, restaurantes. Tudo com  intuito comercial, de induzir comportamentos.

Não me senti inseguro, pelo contrário, vi um ambiente multicultural descontraído, pessoas de várias religiões e etnias passeando nas ruas pedonais e jardins, usufruindo o dia de sol, a animação que decorria no centro, almoçando nas inúmeras barraquinhas de streetfood de muitos países.  Uma cidade mais informal  do que Copenhaga, igualmente limpa, organizada, com lago e esplanadas dentro  de um imenso jardim. Pessoas na relva deitadas ao  sol, a remar. Fruindo a vida.  

Estávamos a consultar o mapa e de imediato uma senhora Sueca perguntou se precisávamos de ajuda. Foi simpática e prestável, deu-nos indicações úteis. A ideia pré-concebida de que as pessoas do Norte são antipáticas caiu ainda mais por terra, o ambiente era familiar e descontraído,  sentia-me bem.  

Ao pagar a garrafa de água mineral na caixa registadora o  preço foi  duas coroas mais alto  do que o indicado na prateleira da marca. Como estava a sentir as pessoas mais calorosas e abertas atrevi-me a perguntar ao caixeiro a razão da diferença: - É a reciclagem – disse ele – quando entregar a garrafa no local de recolha devolvem a diferença.

Percebi então o motivo de ter visto em Copenhaga, e agora em Malmo, pessoas de aspeto andrajoso, mendigos ou perto disso, estrangeiros, com enormes sacos às costas, tipo pais natais,  a remexer o lixo nos contentores -  procuram  latas e garrafas de plástico para fazer dinheiro.    Uma medida ambiental que contribui para manter as cidades limpas e incentiva a reciclagem.

Os pagamentos nas barraquinhas só podiam ser feitos exclusivamente em cartão bancário, ingenuamente levantamos dinheiro e notas que não podíamos usar. Procuramos um restaurante mais afastado que as aceitasse. Encontramos um vietnamita com bom aspeto, vazio. Pedimos sopa, Pho. Habitualmente comemos mal. Tirando a prodigalidade do pequeno almoço, incluído na estadia, em que nos empanturramos, passamos muito tempo sem comer, fazemos uma refeição ligeira ao fim do dia com  sandes, fruta e salada que compramos nos supermercados. Comer fora, em restaurantes, é exorbitante – fiz a conversão mental do menu por pessoa num restaurante no centro de Copenhaga, deu 160 Euros. Estava-nos a saber pela vida a sopa quentinha com massas suculentas e os pedaços de legumes soltos na tigela. Apenas nós na sala.  Entra um casal e dois filhos. Não tive dúvidas – eram tugas! É incrível como a nossa fisionomia nos pode identificar. Em Portugal, não nos apercebemos, mas no estrangeiro, entre outras nacionalidades,  os nossos traços tornam-se muito distintivos. Não havia dúvidas, eram Portugueses! Sentaram-se atrás de nós a falar baixinho. Nós também falávamos baixinho, não querendo nada com os nossos compatriotas, evitando identificarmo-nos. Era confrangedor, pensava: O que vou dizer a estes tugas?  Uma situação bizarra: em Malmo, os dois únicos grupos de clientes no restaurante vietnamita, que não se conheciam de lado nenhum, eram tugas. Por fim, ganhei coragem, virei-me para trás e perguntei: - Desculpem estar a interromper, percebi que são portugueses. Chegamos hoje a Malmo, andamos a visitar a cidade, talvez nos possam indicar algum sítio interessante para visitar...– olharam para mim boquiabertos, de olhos esbugalhados, ainda mais surpreendidos do que eu quando os vi a entrar. Palavra puxa palavra,  descobrimos que estão alojados no mesmo hotel de Copenhaga. Há cada coincidência!

Tal como nós, tinham saído de Copenhaga e estavam na cidade pela primeira vez. Foram simpáticos. Desejamos-lhes a continuação de boas férias. Saímos do restaurante, caminhamos em direção ao mar seguindo a orientação do Turning Torso,  edifício moderno de 50 andares visto ao longe, despontando mais alto do que todos os outros.









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