Turning Torso |
Fico sempre nervoso quando
atravesso as fronteiras e tenho de fazer check-in nos aeroportos, apesar de ter
tudo em ordem. Faz parte de mim: penso que vão implicar com qualquer coisa, que
os vasilhames não tem o volume adequado, que me esqueci de algum documento.
Ouvi no comboio a informação sonora para preparar a identificação.
Iria entrar noutro país. Nada me foi pedido, tudo correu tranquilamente ao
atravessar a ponte de Oresund.
A Suécia e a Dinamarca são países
do espaço Schengen, cada um com a sua unidade monetária. Ambos na União
Europeia, fora da zona Euro. Evidência de que a UE é um espaço de vulnerabilidades e desigualdades, dando a falsa ilusão de igualdade económica e social entre os países por fazerem parte do mesmo espaço. Portugal está numa situação de
grande atraso económico. É visível, sente-se. De que serve a UE se as
desigualdades continuam a acentuar-se? Se existem países dentro da UE com moeda
própria e não se regulam pelas mesmas regras e apertos bancários?
A Dinamarca vai exercer maior
controlo sobre as entradas vindas da Suécia. Os problemas com os gangues
aumentaram, existe o receio de atravessarem a fronteira e extravasarem as suas
lutas violentas. A Suécia é um país cosmopolita conhecido pelas políticas de
asilo, por receber milhares de refugiados – um dos países mais acolhedores do
mundo. Mas com problemas graves de integração: milhares de jovens, filhos de
emigrantes, organizaram-se em bandos marginais. São recorrentes as notícias de
conflitos e erupções de violência nas principais cidades. Algumas destas
notícias surgiram no meu telemóvel e não foi necessário ligar o GPS, bastam os dados móveis e o servidor do
país para aceder à localização. É medonha a falta de privacidade e o que as
empresas podem fazer sabendo onde se está. Neste caso, foram apenas notícias,
podiam ter sido lojas, produtos, restaurantes. Tudo com intuito comercial, de induzir comportamentos.
Não me senti inseguro, pelo
contrário, vi um ambiente multicultural descontraído, pessoas de várias
religiões e etnias passeando nas ruas pedonais e jardins, usufruindo o dia de
sol, a animação que decorria no centro, almoçando nas inúmeras barraquinhas de streetfood
de muitos países. Uma cidade mais
informal do que Copenhaga, igualmente limpa, organizada, com lago
e esplanadas dentro de um imenso jardim.
Pessoas na relva deitadas ao sol, a remar.
Fruindo a vida.
Estávamos a consultar o mapa e de
imediato uma senhora Sueca perguntou se precisávamos de ajuda. Foi simpática e
prestável, deu-nos indicações úteis. A ideia pré-concebida de que as pessoas
do Norte são antipáticas caiu ainda mais por terra, o ambiente era familiar e descontraído,
sentia-me bem.
Ao pagar a garrafa de água mineral
na caixa registadora o preço foi duas coroas mais alto do que o indicado na prateleira da marca. Como
estava a sentir as pessoas mais calorosas e abertas atrevi-me a perguntar ao caixeiro
a razão da diferença: - É a reciclagem – disse ele – quando entregar a garrafa
no local de recolha devolvem a diferença.
Percebi então o motivo de ter
visto em Copenhaga, e agora em Malmo, pessoas de aspeto andrajoso, mendigos ou
perto disso, estrangeiros, com enormes
sacos às costas, tipo pais natais, a
remexer o lixo nos contentores - procuram
latas e garrafas de plástico para fazer dinheiro.
Uma medida ambiental que contribui para manter
as cidades limpas e incentiva a reciclagem.
Os pagamentos nas barraquinhas só
podiam ser feitos exclusivamente em cartão bancário, ingenuamente levantamos dinheiro e notas que não podíamos usar. Procuramos um restaurante
mais afastado que as aceitasse. Encontramos um vietnamita com bom aspeto,
vazio. Pedimos sopa, Pho. Habitualmente comemos mal. Tirando a
prodigalidade do pequeno almoço, incluído na estadia, em que nos empanturramos, passamos muito tempo sem comer, fazemos uma refeição ligeira ao fim do dia
com sandes, fruta e salada que compramos nos supermercados. Comer fora, em
restaurantes, é exorbitante – fiz a conversão mental do menu por pessoa num restaurante no centro
de Copenhaga, deu 160 Euros. Estava-nos
a saber pela vida a sopa quentinha com massas suculentas e os pedaços de legumes
soltos na tigela. Apenas nós na sala. Entra um casal e dois filhos. Não tive
dúvidas – eram tugas! É incrível como a nossa fisionomia nos pode identificar.
Em Portugal, não nos apercebemos, mas no estrangeiro, entre outras
nacionalidades, os nossos traços tornam-se
muito distintivos. Não havia dúvidas, eram Portugueses! Sentaram-se atrás de
nós a falar baixinho. Nós também falávamos baixinho, não querendo nada com os
nossos compatriotas, evitando
identificarmo-nos. Era confrangedor, pensava: O que vou dizer a estes tugas?
Uma situação bizarra: em Malmo, os dois
únicos grupos de clientes no restaurante
vietnamita, que não se conheciam de lado nenhum, eram tugas. Por fim, ganhei
coragem, virei-me para trás e perguntei: - Desculpem estar a interromper,
percebi que são portugueses. Chegamos hoje a Malmo, andamos a visitar a cidade,
talvez nos possam indicar algum sítio interessante
para visitar...– olharam para mim boquiabertos, de olhos esbugalhados, ainda mais
surpreendidos do que eu quando os vi a entrar. Palavra puxa palavra, descobrimos que estão alojados no mesmo hotel de Copenhaga.
Há cada coincidência!
Tal
como nós, tinham saído de Copenhaga e estavam na cidade pela primeira vez. Foram
simpáticos. Desejamos-lhes a continuação de boas férias. Saímos do
restaurante, caminhamos em direção ao mar seguindo a orientação do Turning
Torso, edifício moderno de 50 andares visto ao longe, despontando mais alto do que
todos os outros.
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