terça-feira, 6 de agosto de 2024

Dinamarca

 

Nyhavn

Tive na adolescência uma Pen Pal Dinamarquesa. Nunca tinha ido à Dinamarca. A minha Pen Pal nunca me convidou, ficamos pela curiosidade platónica, pelas fotografias que enviávamos um ao outro, escolhidas a dedo. As nossas melhores poses, mais sensuais e giras. As nórdicas eram o ideal de beleza dos rapazes portugueses, habituados às morenas e trigueiras do sul. Qualquer miúda de olhos azuis e cabelo loiro estava em vantagem sobre as outras, mesmo que fosse feia. Só por ter olhos azuis e cabelo loiro.  Enviei-lhe uma  pulseira com o nome dela, Connie, feita com fios de lã -   estava na  moda  fazer pulseiras. Falava-lhe das minhas rotinas, escola,  disciplinas favoritas, tempos livres. Ela fazia o mesmo, respondia às perguntas que lhe colocava sobre o país, enviava-me postais da sua cidade – o castelo de Kolding, Koldinghus, junto ao lago -,  outras fotografias.   Um dia paramos subitamente de nos corresponder e nunca mais tive notícias da  Dinamarca.

Não tenho amigos Dinamarqueses. Faço parte do grupo de pessoas que compra a viagem aérea ao preço mais baixo possível e faz a pesquisa no Booking dos hotéis mais baratos, de preferência perto  do centro da cidade. Escolhi Copenhaga como podia ter escolhido Bucareste, Dublin ou Malta, desde que tenha  voos diretos e seja um país europeu – pode ser preconceito, mas sempre me senti mais à vontade e seguro em viajar dentro da  Europa. A minha experiência noutros continentes é quase nula,  aceito que digam que é preconceito e ignorância minha, que estou  a ver pelo prisma enviesado de quem conhece pouco mundo.   

Fui sem conhecer o país, sem ninguém à espera, sem guia -  um turista, apenas, a aproveitar os low-costs e os voos diretos que as companhias aéreas disponibilizam, como tantos outros. No entanto, orgulho-me de fazer as coisas por conta própria, de ir sem agências, definindo o meu tempo, horários e sítios a visitar.

Adquiri o CopenhagenCard de 72 horas e durante os três primeiros dias tentei aproveitar ao máximo os benefícios do cartão: viagens nos transportes públicos dentro e fora da cidade,  passeios de barco nos canais, visitas a mais de 80 atrações. Como Português, visitando outro país, fiz naturalmente muitas comparações entre os dois países e Portugal sai a perder. É fácil viajar dentro de Copenhaga, encontrar transportes frequentes, modernos e confortáveis para todo o lado. A cidade foi considerada a segunda melhor do mundo em qualidade de vida, depois de Viena. Em qualquer parte, há um jardim próximo, os habitantes têm à sua disposição espaços verdes, cinemas – vi três perto do hotel –, ciclovias. Faz-se desporto naturalmente no dia – a -dia e em segurança. As mamãs transportam os filhos no berço atrelado à bicicleta, as adolescentes deixam as bicicletas nos jardins para fazer picnics com as amigas. Vive-se tranquilamente e com elegância – é o que parece.

Diz-se que as pessoas do Norte são mais frias e reservadas – talvez. Em Copenhaga ninguém chateia ninguém, desde que se faça pouco ruído e não se dê nas vistas. Fiquei com a impressão de que não apreciam gesticular e que não devem gostar de pessoas histriónicas que gesticulam e falam alto.  Acabamos, naturalmente, por absorver o ambiente da cidade. Inconscientemente, damos por nós a falar baixo, quase a cochichar no meio da rua, para não fazer barulho. A ter receio de fazer perguntas - tudo é tão organizado que fazer uma pergunta a alguém implica mostrar ignorância. As pessoas devem pensar: “Devias ter consultado a brochura, visto os horários, etc. Não sejas preguiçoso.” Há uma certa fleuma no ar.

Ao início, portava-me muito civilizadamente. No semáforo vermelho, sem carros a passar, aguardava pacientemente o sinal verde. Não me atrevia a atravessar a estrada. Em Roma Sê Romano, é um adágio que tento seguir fielmente em qualquer lugar: é uma forma de me  manter discreto, de passar despercebido no meio da multidão num país estranho. Observo as pessoas com atenção, vejo os seus gestos e comportamentos, faço como eles. Nem sempre consigo. Mais tarde, quando comecei a ganhar confiança e a sentir-me mais entrosado no ritmo da cidade o verdadeiro Tuga que há em mim veio ao de cima, perdi  a inibição  e atravessei algumas vezes a estrada com o sinal vermelho. Não era o único, porém.  

Radhuspladsen


Museu das Ilusões


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