quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Punta Manara, Sestri Levante



Baldassare é cristão  Libanês. Os  antepassados exilaram-se   em Génova, cidade de mercadores, banqueiros e navegadores. Descendente de  comerciantes que estabeleceram  contactos e redes priveligiadas  com  outros compatriotas, tal como eles fugidos das perseguições religiosas. Dispersaram-se pelas grandes metrópoles mediterrânicas. Vendem tecidos, jóias, couros, levados  pelos genoveses  até aos principais portos  europeus, Sevilha, Lisboa, Antuérpia, Amsterdão. 

Foi-lhe incumbida a missão de entregar um documento confidencial, da máxima importância, ao embaixador em Londres. Baldassare inicia um périplo repleto de incertezas e perigos, com paragens nos principais portos e lugares da Europa. Conhece banqueiros importantes, responsáveis pelas notas de crédito, torna-se diplomata. Regressa a Génova no fim da  epopeia, onde constituirá família e continuará a linhagem e o ofício dos seus antepassados. 

No romance "O périplo de Baldassare", o escritor libanês Amin Malouf, retrata as convulsões políticas e sociais que varreram a Europa, expuseram  rivalidades entre as repúblicas marítimas de Veneza e  Génova na disputa do poderio comercial e económico  no mediterrâneo. 

A cidade, capital da Ligúria, tem um passado que enche de orgulho os seus  habitantes. Era um dos pontos mais importantes das rotas da seda e das especiarias, recebia-as diretamente do oriente. Vinham da China por terra, da península arábica, da Índia e das ilhas do oceano índico por mar, de onde eram reenviada para os prósperos e emergentes mercados da Flandres e Inglaterra. 

Os Genoveses tem um dialeto próprio, incompreendido pelos restantes italianos. 

No hotel em Rica Trigoso o dono explica-me em Italiano como chegar à praia. É difícil de entender. Diz-me depois com confiança: "Mas se eu te falar em genovês tu entendes!" Dá-me as orientações em dialeto. 

Percebo a palavra "túnel". 

"Ah, passo pelo túnel!", digo. 

"Sim, vês como o português e o genovês são parecidos?" 

O Genovês tem seguramente semelhanças com a Langue D'Oc, o dialeto medieval do Sul de França, através do qual os nossos primeiros trovadores se exprimiram nas cortes da primeira dinastia. Daí as reminiscências com o Português. 

Cristóvão Colombo era genovês. Os apelidos  Perestrelo e Pessanha tem origem Genovesa. As ligações a esta região de Itália são mais fortes do que imaginamos.

As paredes do hotel têm mapas do estreito de Bonifácio, do mar Tirreno, da Sardenha, da ponta Baffe, da costa Ligure e… dos Açores. 

Poucos fala inglês, torna-se complicado comunicar, mas por gestos, algumas palavras comuns, com a ajuda surpreendente do dialeto Genovês, vão-se passando as mensagens. 

O casal de idosos na recepção é muito simpático, acolhem-nos calorosamente, mas só falam italiano e Genovês. Não consigo dialogar convenientemente e esclarecer as dúvidas, por outro lado sinto que estou num sítio mais genuíno. Acho piada à situação. Chega Elizabeth, toda sorridente e cativante. Fala algum espanhol, esteve em Lisboa há muitos anos quando trabalhou num cruzeiro. 

Aqui não há tantos turistas como os que vi noutros lugares e não me parece que os italianos de Riva Trigoso se queiram esforçar para falar outra língua. 

Riva Trigoso pertence à comuna de Sestri Levante, fica do outro lado da Punta Manara, situada num promontório que divide Sestri de Riva. Nos guias que pesquisei, o trilho, ou sentiero, da punta Manara é considerado um dos mais bonitos da ligúria.

Não vale a pena fazer muitas adjetivações, as fotografias falam por si. 

O trilho começa na Via XXV Aprile (25 de Abril de 1945, dia da libertação de Itália. Vitória da resistência Italiana sobre os nazis. Tal como em Portugal, também dia de feriado nacional), rua pedonal e comercial, no centro de Sestri Levante, no Vicco Del Bottone. Segue até ao promontório, onde se cruza com outros trilhos, e, depois,  até Riva Trigoso. 

Nas escarpas íngremes foram plantadas oliveiras, pomares, vinhedos e pequenos quintais. A paisagem foi transformada pelo homem ao longo dos séculos, mas manteve muita da sua flora primitiva. Constituída pela vegetação tipicamente mediterrânica de medronheiros, pinheiros mansos e carvalhos. O maquis, a vegetação arbustiva que o escritor Ferreira de Castro descreveu na ilha vizinha da Córsega - esconderijo de bandoleiros independentistas -, reveste as encostas.

O caldo ameno da água, as montanhas verdejantes, o azul prateado intenso do mar, foram  percorridos por Ulisses na sua odisseia. O Mediterrâneo é alfobre de culturas e de povos, as suas costas são  mais exuberantes do que as do frio Atlântico. Um é considerado o "berço das civilizações”, o outro, ventoso e frio, foi por muitos séculos, a "Finis Terrae". O fim do mundo. 

Manara é ainda o apelido de Milo, o autor da ousada BD, "O Click". 
























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