domingo, 22 de agosto de 2021

Sandinha


Ninguém conhece a aldeia, ouviu falar, ou  tem motivo para a  visitar. A não ser que esteja em trânsito pelas estradas sinuosas da serra da Lousã e  se depare com a placa "Sandinha". Talvez decida parar, mas o mais  provável é seguir em frente. Trata-se de mais uma terra "com  risco ao meio", sem  motivo aparente de visita. Uma aldeia perdida, como tantas outras, nos confins de Portugal:  concelho de Góis,  freguesia de Cadafaz, 20 habitantes apenas (tinha 135 em 1911), nenhuma criança. Conhecida pelos seus habitantes, descendentes e pouco mais. 


Estou  apreensivo. Não vejo um único polícia, de jeep, a cavalo, o exército, voluntários a patrulhar a serra, ou drones fazendo vigilância, prevenindo o aparecimento de incêndios. Ninguém. Zero. Está calor, as encostas da serra cheias de eucaliptos e acácias. Quase ninguém vive nestas aldeias e os poucos que vivem são maioritariamente idosos. Há um abandono e desmazelo evidente do estado. Tenho a impressão que em condições adversas, simplesmente não haverão meios suficientes para acudir e quem aqui estiver será apanhado desprevenido, tal como aconteceu nos trágicos incêndios de  2017. 

A população está a decrescer. De acordo com os resultados preliminares dos censos 2021, Góis perdeu 10,7% da população que tinha em 2011, que já era pouca e vinha diminuindo. São agora 3806 habitantes. Uma razia. 

A aldeia tem  tradições comunitárias que substituem a ausência do estado: a torre do relógio foi construída em 2003 pelos baldios da freguesia de Cadafaz, a escola primária - atualmente sala de  convívio e delegação da associação "a bem da Sandinha" - em 1933, “pelo povo". 

Contudo, o "povo" e as iniciativas locais vão remando contra ventos e marés, compensando  a inoperância  do estado. Mais adiante, no lugar dos Cabreiros, o rio Ceira corre límpido e bucólico  sob a ponte medieval, chamada Velha por ser muito antiga. A roulote de streetfood, Portus, fez esplanada e serve refeições. Uma família acendeu o fogareiro do parque.  As casas de xisto estão recuperadas; jovens apanham sol nas margens  e na eclusa do açude, outros deleitam-se na água transparente do rio. Vejo tendas montadas. Sítio idílico que me deixa com vontade de  ficar, de fazer uma pausa e descobrir as margens do PR 3 de Góis - Vale do  Ceira - com menos calor. Entre o  abandono e a  descaracterização paisagística, ainda vão surgindo recantos idílicos e harmoniosos, em que a natureza e o Homem estão em paz um com o outro. 















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