sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Viagem aos Açores



As ligações em autocarro são muito limitadas entre as diferentes localidades da ilha do Pico, são operadas pela empresa  Cristiano (Ver hiperligação aqui).  É difícil conciliar os horários com a vontade de visitar a ilha, ver o maior número possível de lugares e regressar no barco do mesmo dia ao Faial. Existem apenas quatro barcos diários entre as duas ilhas (ver os horários aqui). Contudo, é possível através da internet, a 2000 km de distância, planear a viagem e ficar com uma ideia aproximada das limitações locais. O que pode ser monótono retirando-lhe alguma surpresa e imprevisibilidade. 
Ao contrário de Paul Theroux,  que viajou do Cairo à Cidade do Cabo quase sempre por terra, sujeitando-se a vários perigos, à ausência de estradas dignas desse nome, a transportes decrépitos e irregulares, a atrasos de dias e incertezas várias, nos Açores e na Europa há uma dose de previsibilidade e segurança bastante maior. Consegue-se planear e cumprir os objetivos da viagem dentro dos tempos estabelecidos.  
A referência a Paul Theroux e neste caso ao  livro Dark Star Safari, “Viagem por África”, Quetzal Editores, é abusivo, visto que se trata de um verdadeiro viajante e não de um simples turista como eu. Tenho  a veleidade de  improvisar  e fugir à rotina habitual de ter tudo previamente organizado pela agência de viagens. Procuro uma “essência” dos sítios que vou visitar, se é que ela existe, descobrir algo diferente por conta própria, tornar a viagem mais pessoal e íntima e não apenas mais uma, como muitas outras. Ser ingenuo ao ponto de acreditar que uma viagem nos pode transformar. 
No séc. XIX o escritor Mark Twain fez escala na ilha do Faial. Passeou  de burro e observou as mulheres de capote e capelo, ficou surpreendido com a forma como elas escondiam o corpo, mesmo quando fazia calor, e descreveu os hábitos locais. Um relato delicioso no livro  “A Viagem dos Inocentes”.
Mulheres de capote e capelo, fotografia retirada daqui

António Tabucchi no livro  “A Mulher de Porto Pim”  reúne vários géneros literários. Relato estranho de uma viagem aos Açores, com prosa, ficção, texto jornalístico e jurídico, na década de 80 do século passado, quando se caçavam baleias. “A Mulher de Porto Pim” , que dá nome ao livro, é um conto fantasioso de amor e solidão. Outros dois escritores fascinados pelos Açores foram Raul Brandão, que numa época em que a fotografia era um documento raro, relatou nas “Ilhas Desconhecidas” os Açores com várias cores, tonalidades de luz e sombra, fiel ao estilo impressionista que o caracterizou. J. Leite de Vasconcellos descreveu a etnografia açoriana no início do século XX, no livro “Um Mês de Sonho”.
Como tudo mudou! Hoje está na moda o Whale Watching. Os antigos barracões onde se guardavam os botes baleeiros e as tascas, locais de encontro de pescadores e agricultores – que também caçavam baleias: ao verem a bandeira hasteada que indicava  baleia na costa,  largavam de imediato os seus afazeres e corriam para os botes  – foram convertidos em hostels e empresas  de Whale Watching. Alugam bicicletas, organizam atividades outdoor e vendem merchandising com cachalotes e golfinhos estampados em peças de roupa e outros objetos.
Não existem melodias noturnas em Porto Pim a encantar os homens, nem navios de nome “Samacaio” que se afundaram nos baixos da Urzelina, nem versos cantados ao som da viola da terra sobre o destino trágico do heroico Samacaio:

“toda a gente, toda a gente se salvou
                                                      Ai se salvou, só o Samacaio não”

No Pico ainda se dançava até há pouco tempo a tradicional “Chamarrita” e na Graciosa era comum ver homens e mulheres reunidos em tascos, bem regados com cerveja e vinho de cheiro, a cantar melodias tradicionais, mas capazes de fazer um silêncio solene e profundo para escutar o poeta da ilha, Zé Berto,  a declamar um dos seus poemas.




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Isolamento

Posso testemunhar por experiência própria os efeitos das condições atmosféricas adversas na vida Açoriana. O avião começou a sobrevoar a ilha de São Miguel, escondida debaixo de um nevoeiro cerrado, chuva intensa e probabilidade de trovoada. Os passageiros estavam tensos e assustados com a turbulência do voo e os poços de ar, embora tentassem disfarçar. Por vezes o avião lembrava uma montanha russa. Sobrevoou a pista mais de uma vez à procura de uma abertura e acalmia no vento para aterrar, tentou uma última vez. Subitamente o piloto infletiu a aproximação e o avião começou a subir rapidamente para regressar a Lisboa.
Os passageiros tiveram que ser reencaminhados para outros voos, passar mais umas horas na fila à espera de serem atendidos no balcão da SATA. Havia crianças e idosos, animais enjaulados que tiveram que continuar presos mais algumas horas. São comuns os cancelamentos e desvio de voos devido ao mau tempo, os passageiros ficarem retidos noutros aeroportos, sem poder regressar a casa e ter que suportar situações muito fatigantes.  

Na tarde seguinte, quinze horas mais tarde e sem dormir, regressei aos Açores, já sob condições atmosféricas totalmente diferentes, mais aprazíveis, com o sol a despontar por cima das nuvens brancas e o mar azul prateado lá em baixo. Comecei por ver a ilha Terceira e o ilhéu das Cabras, depois o recorte nítido do Monte Brasil e Angra do Heroísmo. Mais à frente o verde carregado em São Jorge e as fajãs da costa norte, as vinhas do Pico e por fim o Faial, o meu destino final. 
Ilha Terceira

Ilha de São Jorge

Ilha do Pico

Ilha do Faial

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