segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Mistérios do Sul do Pico (PR15 PICO)



“Mistérios” é o nome que as populações picoenses deram às escoadas lávicas que desciam da montanha e destruíam aldeias e campos agrícolas. Como não sabiam explicar a origem dessas escoadas, eram “Mistérios”. Existem vários na ilha, geralmente simétricos, quando a lava escorria, fazia-o pelas duas encostas da montanha. Na costa sul temos os mistérios de São João e da Silveira, que iremos atravessar em bicicleta. O basalto negro resultante do arrefecimento da lava foi sendo ocupado  pelos municípios picoenses com pinheiros bravos e  transformados em parques de lazer verdejantes, com espaços infantis, zona de picnic e cercas para corços.  
O percurso tem início no parque de lazer de São João, atravessa pisos de terra batida vermelha com muita  bagacina solta, o nome que nos açores se dá à gravilha. Há o risco enorme de derrapagem e queda. Vegetação luxuriante, rochas negras repletas de líquenes e pequenos lugarejos dispersos pelas freguesias de São João e da Silveira, encaixados entre a montanha e o mar.
Dois quilómetros depois da Silveira fica a vila das Lajes, conhecida pelas suas tradições baleeiras e pelo espaço Talassa, o primeiro nos Açores a dedicar-se ao Whale watching e a criar merchandising próprio sobre o tema.   Depois dele outros negócios idênticos começaram a despontar em vários locais e ilhas dos Açores. Há que dar mérito ao precursor  e à sua intuição, o Francês Serge Vialelle, que descobriu as Lajes do Pico na década de oitenta, onde hoje vive  e se dedica a dirigir a  empresa e a observar  cetáceos.
Os negócios voltados para o turismo estão gradualmente a substituir as atividades mais típicas e tradicionais. O café Lajense, poiso de pescadores e de homens com muitas histórias para contar e mais tarde de  professores que com eles conviviam e os escutavam,  já não existe. No seu lugar há um snack-bar  para turistas. Os barracões, onde antes se guardavam os botes baleeiros, foram convertidos em  hostels e em shops    que vendem  merchandising  de t-shirts e  objetos  estampados com cachalotes e golfinhos.
As vilas dos Açores estão paradas no tempo, é um atrativo. Contudo, vai-se notando essa reconversão lenta e insidiosa a que o turismo vai votando as anteriores atividades económicas, tanto no preço dos artigos e produtos locais como na dependência que gera, parece que é o único negócio em que vale a pena investir.
Encontro algumas pessoas que não se lembram de mim, naturalmente. Explico-lhes quando e em que circunstâncias as conheci:  foram colegas de trabalho ou convivemos em caminhadas e mini-expedições geológicas às grutas do pico, orientadas por ele, Paulino Costa. Saudosos momentos de convívio entre professores e de contacto com a natureza que nunca mais se esquecem. 
“Até daqui a 15 anos, novamente”, despeço-me desta forma.
Regressamos em contra-relógio  contra o avanço rápido da noite que se aproximava, pela estrada regional até ao parque de lazer. Estavamos de apetite bem aberto e, apesar do esforço, muito bem dispostos. Nada como um dia destes para nos deixar assim, apesar das dores físicas de quem não está habituado a pedalar.  Desforramos-nos com uma bela jantarada e vinhaça num restaurante da Madalena, o Cinque.  Bebemos "Curral Atlantis Tinto",  Syrah, casta importada, comum no Alentejo e que agora está a ser experimentada no Pico. Com sucesso, digo eu.  Acompanhado com  bife de atum mal-passado, muita conversa e nostalgia, a fazer horas para regressar ao Faial, no barco das 22.00h.  A noite estava  amena e o o regresso no convés do Gilberto Mariano foi passado a comunicar no WhatsApp com a malta do continente e a ver as luzes do Pico a afastarem-se de nós.


 
Painel a indicar o início do percurso no parque de lazer do mistério de São João

Início do percurso no parque de lazer


                                     



Império na freguesia de são João



Cada vez mais próximos das Lajes



O aldeamento turístico da Aldeia da Fonte, na Silveira

Entrada nas Lajes

Lajes do Pico

Lajes do Pico, Monumento ao Baleeiro. 

Marina das Lajes


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Gosto de consultar os mapas e os nomes dos locais por onde vou passar. No pico há nomes tão característicos e invulgares como Terra do Pão, Candelária, Criação Velha, Lajido, Cabrito… que adquirem, agora que aqui estou, outro significado. Lidos no continente têm uma ressonância longínqua e exótica, agora são apenas pequenos sítios voltados para o mar, envelhecidos, calmos e silenciosos por onde passa a estrada regional, com as igrejas dedicadas aos respetivos padroeiros, impérios, pequenos portos e moinhos que se destacam na paisagem. Lugarejos brancos rodeados de vinhas metidas dentro dos currais, basalto negro, pastagens, tufos de vegetação densa e sempre, quando está descoberta, dominados pela imponência da montanha.

Há uns anos atrás facilmente teria ficado aqui a viver, caso se tivesse propiciado. Conheceria e me ambientaria  às pessoas e lugares com alegria e espírito de aventura. Hoje sou mais medricas e inflexivel, julgo que muito dificilmente me adaptaria a viver aqui. Sinais dos tempos e das pessoas, que vão mudando.  

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