“Mistérios” é o nome que as
populações picoenses deram às escoadas lávicas que desciam da montanha e
destruíam aldeias e campos agrícolas. Como não sabiam explicar a origem dessas
escoadas, eram “Mistérios”. Existem vários na ilha, geralmente simétricos,
quando a lava escorria, fazia-o pelas duas encostas da montanha. Na costa sul
temos os mistérios de São João e da Silveira, que iremos atravessar em
bicicleta. O basalto negro resultante do arrefecimento da lava foi sendo ocupado pelos municípios picoenses com pinheiros
bravos e transformados em parques de
lazer verdejantes, com espaços infantis, zona de picnic e cercas para corços.
O percurso tem início no
parque de lazer de São João, atravessa pisos de terra batida vermelha com
muita bagacina solta, o nome que nos
açores se dá à gravilha. Há o risco enorme de derrapagem e queda.
Vegetação luxuriante, rochas negras repletas de líquenes e pequenos lugarejos
dispersos pelas freguesias de São João e da Silveira, encaixados entre a
montanha e o mar.
Dois quilómetros depois da
Silveira fica a vila das Lajes, conhecida pelas suas tradições baleeiras e pelo
espaço Talassa, o primeiro nos Açores a dedicar-se ao Whale watching e a criar merchandising próprio sobre o tema. Depois dele outros negócios idênticos começaram a despontar
em vários locais e ilhas dos Açores. Há que dar mérito ao precursor e à sua intuição, o Francês Serge
Vialelle, que descobriu as Lajes do Pico na década de oitenta, onde hoje
vive e se dedica a dirigir a empresa e a observar cetáceos.
Os negócios voltados para o
turismo estão gradualmente a substituir as atividades mais típicas e
tradicionais. O café Lajense, poiso de pescadores e de homens com muitas histórias para contar e mais tarde de professores que com eles conviviam e os escutavam, já não existe.
No seu lugar há um snack-bar para turistas. Os barracões, onde antes se
guardavam os botes baleeiros, foram convertidos em
hostels e em shops que vendem merchandising de t-shirts
e objetos estampados com cachalotes e golfinhos.
As vilas dos Açores estão paradas
no tempo, é um atrativo. Contudo, vai-se notando essa reconversão lenta e
insidiosa a que o turismo vai votando as anteriores atividades económicas,
tanto no preço dos artigos e produtos locais como na dependência que gera, parece
que é o único negócio em que vale a pena investir.
Encontro algumas pessoas que não
se lembram de mim, naturalmente. Explico-lhes quando e em que circunstâncias as
conheci: foram colegas de trabalho ou convivemos
em caminhadas e mini-expedições geológicas às grutas do pico, orientadas por
ele, Paulino Costa. Saudosos momentos de convívio entre professores e de
contacto com a natureza que nunca mais se esquecem.
“Até daqui a 15 anos, novamente”,
despeço-me desta forma.
Regressamos em contra-relógio contra o avanço rápido da noite que se aproximava, pela estrada regional até ao parque de lazer. Estavamos de apetite bem aberto e, apesar do esforço, muito bem dispostos. Nada como um dia destes para nos deixar assim, apesar das dores físicas de quem não está habituado a pedalar. Desforramos-nos com uma bela jantarada e vinhaça num restaurante da Madalena, o Cinque. Bebemos "Curral Atlantis Tinto", Syrah, casta
importada, comum no Alentejo e que agora está a ser experimentada no Pico. Com
sucesso, digo eu. Acompanhado com bife de atum mal-passado, muita conversa e nostalgia, a fazer
horas para regressar ao Faial, no barco das 22.00h. A noite estava amena e o o regresso no convés do Gilberto Mariano foi passado a comunicar no WhatsApp com a malta do continente e a ver as luzes do Pico a afastarem-se de nós.
Início do percurso no parque de lazer |
Império na freguesia de são João |
Cada vez mais próximos das Lajes |
O aldeamento turístico da Aldeia da Fonte, na Silveira |
Entrada nas Lajes |
Lajes do Pico |
Lajes do Pico, Monumento ao Baleeiro. |
Marina das Lajes |
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Gosto de consultar os mapas e os
nomes dos locais por onde vou passar. No pico há nomes tão característicos e
invulgares como Terra do Pão, Candelária, Criação Velha, Lajido, Cabrito… que adquirem,
agora que aqui estou, outro significado. Lidos no continente têm uma
ressonância longínqua e exótica, agora são apenas pequenos sítios voltados para
o mar, envelhecidos, calmos e silenciosos por onde passa a estrada regional,
com as igrejas dedicadas aos respetivos padroeiros, impérios, pequenos portos e
moinhos que se destacam na paisagem. Lugarejos brancos rodeados de vinhas
metidas dentro dos currais, basalto negro, pastagens, tufos de vegetação densa
e sempre, quando está descoberta, dominados pela imponência da montanha.
Há uns anos atrás facilmente
teria ficado aqui a viver, caso se tivesse propiciado. Conheceria e me
ambientaria às pessoas e lugares com alegria e espírito de aventura. Hoje sou
mais medricas e inflexivel, julgo que muito dificilmente me adaptaria a
viver aqui. Sinais dos tempos e das pessoas, que vão mudando.
Sem comentários:
Enviar um comentário