As primeiras milhas da via Appia foram exatamente aquilo que eu estava à espera.
O cartaz na parede no restaurante onde ontem jantamos com a fotografia da via era muito apelativo: a calçada Romana rodeada de ciprestes e pinheiros mansos, bucólica e idílica.
Cigarras cantantes, corvos que marcham desajeitados na erva seca, altos pinheiros mansos. O perfil montanhoso dos Apeninos ao longe. É assim o caminho.
A via é património cultural de Itália e da humanidade. A Appia Antica foi a primeira e a mais importante estrada construída no Império Romano - a rainha das estradas. Ligava Roma a Cápua, na Campânia, tinha 212 km de extensão, demorava 5 a 6 dias a ser percorrida. Com a expansão do império para o Sul de Itália, expandiu-se a Brindisi. A nova Via Appia ficou com 587 km e a jornada completa levava 13 a 14 dias.
Começou a ser construída no séc. IV AC e foi terminada pelo imperador Trajano no séc. III AD.
Pavimentada com lajes de basalto, basoli, e largura de 4, 15 metros, de forma a permitir a passagem de duas carruagens em sentidos contrários. Havia estações de 10 em 10 km nos troços mais frequentados e de 17 em 17 km nos menos frequentados para troca de cavalo e descanso dos viajantes.
Alugamos bicicleta no Punto Informativo Appia Antica e fizemos as 4 milhas (6,5 Km) iniciais do trajeto. A via está pejada de vestígios. Cada quilómetro conta histórias do império, de rituais religiosos praticados nos templos que ladeavam a estrada, de oferendas a Cibele, a Deusa Mãe, simbolizando a fertilidade da natureza. Sepultavam-se os nobres romanos ao longo da via, cada lápide e mausoléu assinala o descanso final de um patrício ou família. Passamos nas Catacumbas de São Calisto onde foram sepultados os primeiros papas. Percorrer a Via é como percorrer a história do império Romano.
As alamedas de terra ladeadas de ciprestes que levam a uma villa de tijolos vermelhos ainda existem. Os prados adjacentes estão cuidados. Não há espécies exóticas. A intervenção humana manteve as similitudes. Fazer estes quilómetros foi fascinante, um mergulho na história e num tempo diferente, sentindo o privilégio de estar em contacto e ver a natureza como era há 2000 anos atrás, ouvindo os mesmos sons das cigarras, tendo o mesmo calor e refrescando-me na mesma água fresca das fontes do caminho.
Eugénio de Andrade escreveu um curto poema, "Roma", dedicado à Via Appia. Do livro Escrita da Terra, ei-lo:
Era no Verão ao fim da tarde,
como Adriano ou Virgílio ou Marco Aurélio
entrava em Roma pela via Ápia
e por Antínoo e todo o amor da terra
juro que vi a luz tornar-se pedra
Tal como Eugénio de Andrade, os imperadores Romanos, e numa quente tarde de verão, também hoje entrei em Roma pela via Appia.
Entrada numa Villa |
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