sábado, 30 de julho de 2022

Pier Paolo Pasolini na Piazza del Popolo

 

Piazza del Popolo

O Caffé Rosati, na Piazza del Populo, foi frequentado por Pier Paolo Pasolini nos anos 60 e 70 do século XX. Uma fotografia icónica mostra-o de gravata, como era habitual nele. Está na casa dos trinta, de pose elegante. As canecas  de água e a chávena do café estão na mesa. Outro homem com ele. A luz de néon brilha por trás. Vê - se o espaldar rendilhado das cadeiras livres, os empregados de mesa de fato branco, imaculado, atentos aos clientes. Estão bem vestidos, "à anos sessenta", convencionalmente. Estar na esplanada é um cerimonial, vive-se a indolência  das noites cálidas de verão, bebendo, conversando, fazendo parte da vida que também desfila na praça. Pasolini olha o interlocutor. 

Realizou a trilogia “Os contos de Canterbury”, “As Mil e Uma Noites” e “Decameron”. Neste último a igreja é satirizada, os padres e as freiras são lúbricos, há salteadores de túmulos e velhos decrépitos encornados. Pasolini não se coibiu de retratar as personagens tal como seriam na idade média, sem subterfúgios de maquilhagem, mostrando  o corpo nu, as  imperfeições e expressões grotescas, com uma honestidade tremenda, de que resultou um filme maravilhoso, humano, comovente e bem-disposto. Foi filmado em cidades e vilas medievais italianas, conferindo-lhe uma autenticidade próxima da realidade. O último filme que fez foi “Salo, ou os 120 dias de Sodoma e Gomorra”, muito diferente dos anteriores, perturbador e inquietante. A ação passa-se num palácio em Salo, localidade no norte de Itália, nos últimos dias da segunda guerra mundial. O fascismo acaba de ser derrubado, exceto aqui onde um grupo de pessoas é mantida refém. Há cenas de coprofagia. 

Pasolini quis transmitir a mensagem de que, depois da segunda guerra mundial, a arte já não tinha mais nada a dizer, ao ser incapaz de evitar uma tragédia humana como aquela. As críticas que lhe faziam de nada valiam perante isso. É como se disse-se:  

"Não me digam que ficam chocados com o meu filme por verem pessoas a comer merda, isso não é nada comparado com a imoralidade e a destruição da guerra."

Morreu em 1975, assassinado por um prostituto com quem tinha jantado horas antes. Atropelado  várias vezes numa praia em Ostia, arredores de Roma. A morte trágica e violenta, pouco depois de ter concluído o seu filme mais escandaloso e perturbador, contribuiu para alimentar a fama de artista marginal e maldito  que adquiriu ao longo da vida. 

Um filme sobre os seus últimos dias é de  Abel  Ferrara, com Willem Defoe no papel de Pasolini. 

Estando em Roma compreende-se por que motivo Itália deu ao mundo filmes e realizadores tão extraordinários como “Amacord” (Federico Fellini); “Feios, Porcos e Maus” (Ettore Scola) ou “A Grande Beleza” (Paolo Sorrentino). Nem todos se passam na cidade, mas há em comum o exagero intencional na interpretação das personagens, de lugares e de cenas que se tornam excessivas e bizarras. Os filmes levam o espetador ao deslumbramento pelo exagero das situações, como se a vida fosse vivida dentro de um sonho. Uma cidade ou um país com tantas camadas de história que coabitam e se sobrepõem cria o estado de espírito que predispõe à loucura e à euforia. O contacto direto com a amálgama de vestígios magnificentes e burlescos, a loucura de papas e imperadores egocêntricos que deixaram a sua marca, fazem relativizar tudo e encarar  a vida  como um sonho. Esta é a essência de alguns grandes filmes e mestres italianos.

PPP no Rosati

O Rosati, hoje 

Roma Vista dos jardins da Villa Borghese, ali próximo 




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