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Rua do Padre Luís Cabral |
O ponto de encontro da primeira saída
de campo da formação creditada pelo FAPAS foi o Jardim do Cálem, na foz da
Ribeira do Lordelo, ou da Granja, tendo como formadores dois investigadores, seguramente
das pessoas mais entendidas em história e geografia do Porto, o José Fernandes
e o Ricardo Jorge Pinto, “Um grande conhecedor e apaixonado pelo porto do
século XIX”, assim apresentado pelo primeiro. Ambos tiveram o dom de nos transportar ao Porto
de outros tempos, relacionando a hidrologia e o relevo dos locais que visitamos
com
a respetiva evolução demográfica e económica, introduzindo detalhes e
acontecimentos históricos, alguns verdadeiramente grandiosos e trágicos, que me
fascinaram e anotei.
Tentarei resumir o que ouvi e
talvez fantasiar um pouco a partir deles. Uma viagem é sempre uma tentativa de
imersão, real e emocional no local, para a qual a literatura dos autores que o conheceram
contribui. Foi inevitável referir Camilo
Castelo Branco, o seu livro “Cenas da Foz”, assim como Raúl Brandão, “neto e
filho de pescadores”, que aqui nasceu e viveu. As cartas, mapas geográficos e fotografias de diferentes períodos que nos mostraram, as referências a outras
personalidades da cidade, que através dos seus feitos a marcaram de alguma
forma, contribuíram para esta viagem “imersiva” (um termo muito na moda,
agora).
Realizamos o seguinte trajeto, para repetir mais vezes explorando outros
caminhos e desvios na zona: Foz da ribeira
da Granja junto ao jardim do Cálem, subida pelas Ruas da Senhora da Ajuda, Gaspar Correia e Paulo da Gama até ao parque
da Pasteleira, descida pela rua Padre Luís Cabral até ao “centro histórico”
da Foz Velha – sim, a Foz tem um centro histórico e já foi concelho, mas lá irei
– passagem pela ruas de Cadouços, Largo
Pinheiro Torres de Meireles, Senhora da
Luz e Alto da Vila, regresso ao Jardim do Calém pelo Passeio Alegre e Cantareira.
Cerca de 5 km.
A ribeira da Lordelo é a maior do
Porto, nasce em Paramos e desagua no rio Douro. Atualmente está quase toda entubada,
coberta de cimento e estradas. Era por esta via aquática que no século XIX,
o século da industrialização, corriam os detritos das fábricas de lanifícios do
Lordelo e de Curtumes de Bessa Leite. Um cenário pouco aprazível e malcheiroso.
A ribeira está despoluída e é um ponto de paragem para observar as aves que
deambulam na sua foz e na “ilha” do Frade, o banco de areia e rochas em frente.
Conta
a lenda que o clérigo foi humilhado neste local por uma mulher de quem gostava,
deixando-o à espera até ficar isolado pela maré cheia.
A Pasteleira era designada nos
séculos passados pelo “sítio do Pasteleiro”. O jardim foi construído no início
deste século, num local onde sempre existiram pinheiros, os “pinhais da Foz”,
referidos em diversa literatura, aludindo a um sítio ermo e despovoado. Tem um relvado bem cuidado, trilhos, um
lago, muitos pinheiros e sobreiros. Espaço
agradável, rodeado de bairros sociais e vivendas onde coexistem extratos sociais diversos,
resultantes de um urbanismo que permitiu a construção de diferentes tipologias habitacionais, característica realçada com um certo orgulho pelo José Fernandes, tornando a cidade num
caso raro a nível mundial. O Reservatório
pertence ao Museu da Cidade, possui, no exterior, dois chafarizes de três patamares
– no de cima, uma torneira destinada ao
consumo de água pelos humanos, nos dois mais
baixos duas pias para dar de beber aos animais – colocados pela Sociedade
Protetora, no século XIX -, demonstrando que a preocupação com o bem estar animal não é exclusiva destes novos tempos. A este largo ocorriam
vendedores com os seus animais domésticos, feirando e regateando artigos. Um
local que já foi buliçoso e caótico, contrastando com a atual mudez e limpeza.
A rua do Padre Luís Cabral foi a
principal via de ligação do Porto medieval
ao arrabalde da Foz, o chamado “caminho velho”, por oposição ao “caminho novo”.
Este último ficou completo no ano de 1860, após a demolição de uma parte da
escarpa da Arrábida, que permitiu a ligação pela margem do rio. Desta rua radiavam
caminhos importantes para Bouças (atual Matosinhos), pela estrada
de Serralves e da Vilarinha e para as localidades piscatórias e de construção
naval nas margens do rio.
Próximo da capela da Nossa
Senhora da Conceição, no cruzamento com a rua Diogo Botelho e o que resta do
aqueduto de Montebelo, o Jorge Pinto mostrou-nos
uma fotografia de cerca 1850: uma ruela passa estreita ao lado da capela, parece isolada
e distante. Uma imagem bucólica da atual rua. Olhando no mesmo
enquadramento ainda se vislumbram alguns desses vestígios na estrada de paralelos e no muro de granito. O aqueduto transportava
água de uma nascente aqui próxima até à igreja de São João.
Seguimos até ao largo do Rio da Bica, na “parte alta” da Foz, onde se realizava
antigamente uma feira ao pé das alminhas. A pesca e a agricultura foram
durante séculos as principais atividades económicas, sustentadas pelos abundantes
recursos de água doce e salgada.
Uma gentrificação inicial ocorreu no século
XIX, quando os comerciantes ingleses do Porto, por motivos higiénicos, resolveram estar mais próximos do mar,
começando a construir vivendas nas redondezas, seguidos pelos burgueses Portugueses. Apareceram fachadas neo-revivalistas góticas e
medievais, características do Romantismo, os telhados de duas águas, a
imitar os chalés Suíços e as termas de
Baden Baden, que frequentavam. A Foz denota essa fusão de influências culturais
e de movimentos sociais que foram afastando os pescadores e agricultores originais para periferias como a Cantareira. O Jorge Pinto foi-nos chamando à atenção para
os detalhes arquitetónicos, a profusão e a mistura de fachadas visíveis na
mesma rua. O José Fernandes para o pastiche,
a imitação de estilos, e a gentrificação
do lugar.
Ainda na rua do Padre Luís Cabral
paramos na antiga Câmara Municipal do Concelho da Foz do Douro. Teve uma existência breve, de 1834 a 1836. Antes de ser concelho foi couto, território
administrado pelo clero, dos monges Beneditinos de Santo Tirso. O
Porto tinha uma história tensa e conflituosa com a igreja. Habitantes da cidade,
acusados de liberalismo, foram enforcados na praça da liberdade com o clero a
assistir das varandas do convento dos Loios, a beber vinho do porto e a comer
pão de ló. Não bastando, foram seguidamente decapitados e as cabeças espetadas em
postes nas ruas onde moravam. Após a
vitória do movimento Liberal na guerra civil, todos os bens do clero foram
expropriados pelo estado e a Foz do Douro tornou-se município independente, passando
pouco depois para a administração do Porto. O convento dos Loios foi vendido em
hasta pública e comprado por um burguês de apelido Cardoso, cujas filhas
herdeiras, as “Cardosas”, estão na origem do nome atual – hoje, o hotel
intercontinental.
A Foz mantem o caráter individual
que a caracterizou durante séculos, pela sua distância em relação ao núcleo original
da cidade e por ter sido uma entidade quase sempre administrativamente autónoma.
Ainda hoje se diz “ir à Foz”, como se
tratasse de uma outra cidade.
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Jardim do Cálem |
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Observatório de Aves do FAPAS, foz da ribeira da Granja |
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Foz da Ribeira da Granja e a "ilha" do Frade. |
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Conta a lenda que o clérigo foi
humilhado neste local por uma mulher de quem gostava, deixando-o à espera até
ficar isolado pela maré cheia. |
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A Pasteleira
era designada nos séculos passados pelo “sítio do Pasteleiro” |
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Hoje
tem um relvado bem cuidado, trilhos, um lago, muitos pinheiros e sobreiros |
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A este largo ocorriam vendedores com
os seus animais domésticos, feirando e regateando artigos. Um local que já foi buliçoso
e caótico, contrastando com a atual mudez e frieza. |
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O Reservatório
pertence ao Museu da Cidade, possui, no exterior, dois chafarizes de três patamares
– no de cima, uma torneira destinada ao
consumo de água pelos humanos, nos dois mais
baixos duas pias para dar de beber aos animais – colocados pela Sociedade
Protetora do Porto, no século XIX. Neste período já existiam preocupações com o
bem-estar dos animais e certos estratos da sociedade Portuense revelavam ideais
muito progressistas. |
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A rua
do Padre Luís Cabral foi a principal via de ligação do Porto medieval ao arrabalde da Foz |
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uma
ruela passa estreita ao lado da capela, parece isolada e distante. Olhando no mesmo enquadramento, ainda se
vislumbram alguns desses vestígios |
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Seguimos
pela estrada de paralelos até ao largo do Rio da Bica, na parte alta da vila, onde
se realizava a feira. |
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O
Jorge Pinto foi-nos chamando à atenção para os detalhes arquitetónicos, a
profusão e a mistura de fachadas visíveis na mesma rua. |
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O Jardim do Passeio do Passeio Alegre foi construído num aterro, sobre o rio Douro. Construído a partir de um muro, inicialmente projetado pelo engenheiro militar Reginaldo Oudinot, no fim do séc. XVIII. Inaugurado em 1888. |
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Os obeliscos são da autoria de Nicolau Nasoni. Transferidos da quinta da prelada para o jardim do Passeio Alegre. |
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O chalet Suisso tem no topo do telhado a escultura de um carneiro que representa o apelido do seu primeiro proprietário. |
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O rio Douro junto ao lugar da Cantareira |
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Cais da Cantareira |
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resultantes
de um urbanismo que permitiu a construção na mesma zona de diferentes
tipologias de habitação, destinadas aos vários grupos sociais |
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