O Ponto de encontro foi a marina do Freixo. Tivemos novamente
a presença dos professores Ricardo Jorge Pinto e José Fernandes que nos falaram
de uma parte da história e da geografia humana da zona oriental do Porto. A professora Isabel Fernandes, diretora do Centro de Formação do Fapas, deu alguns lamirés de geologia e biologia em contexto de campo.
Fica registada uma parte pequena do muito que nos foi dito. Formação destinada a professores, e não só, que enriqueceu o nosso conhecimento da
freguesia de Campanhã e surpreendeu com a passagem por recantos da cidade que pareciam uma aldeia recôndita do interior.
A marina foi construída na foz do rio Torto, na margem direita do Douro, lado com a corrente mais forte e vulnerável a cheias, em contraste com a margem esquerda, onde se formou uma praia natural, o “Areinho”, representando mau urbanismo e gestão do território.
O Palácio do Freixo é da autoria de Nicolau Nasoni, século
XVIII, mandado construir por ordem da família Távora e Noronha, como quinta de veraneio
fora da cidade. Esteve abandonado, foi incendiado e posteriormente
vendido à Câmara Municipal. O descendente
da família, o arquiteto Fernando Távora, projetou o plano de recuperação no fim
do século XX. O município concessionou-o ao grupo Pestana,
que fez dele um restaurante/ bar de luxo e apoio ao hotel de cinco estrelas em
que foi reconvertida a fábrica de moagem
ao lado.
A zona oriental sofreu os efeitos da industrialização do século XIX, o rio era um local privilegiado de escoamento por barco das fábricas locais (sabões, moagens, cerâmica) e que, posteriormente, se reconverteram em hotéis e apartamentos/ condomínios privados de gosto duvidoso, em leito de cheia e reserva natural que, apesar disso, foram licenciados.
Cruzámo-nos com a senhora Isaura, a proprietária da quinta de
Allen, desenhada no século XVIII por um discípulo de Nasoni para o seu antepassado, o comerciante Inglês, João
Allen. O vapor “Porto” naufragou em 1852 quando regressava de Lisboa. Um dos
passageiros era o filho mais velho, Alfredo, que viajava com as duas
filhas. As pessoas assistiam em terra impotentes
ao drama que se desenrolava, os passageiros tentavam chegar remando os salva-vidas no meio das ondas alterosas da
tempestade. Alfredo tudo fez para as
salvar. Morreram os três. Numa das paredes da quinta está embutida uma peça do
barco como recordação desse episódio.
Seguimos pela marginal do rio até ao
passadiço onde começa o concelho de Gondomar, separação que mostra o “desencontro”
dos municípios: de um lado, o Porto, em que a marginal termina numa estrada
poeirenta com passagem de carros, do
outro, Gondomar, em que continua por passadiço pedonal sobre o rio. O José Fernandes
falou de conflitos: as
motas de água e os barcos de recreio que poluem a água, emitem ruídos e ondulação
que perturba as margens; as praias fluviais, os pescadores e os hotéis que apreciam
o recato. Está ausente uma estrutura unificadora e mentalidade que zele por um
interesse comum mais elevado. O exemplo é bastante característico do país, em que geralmente cada um puxa para o seu lado.
A ponte do rio Torto fica situada na estrada abandonada que foi antigamente
uma das ligações do Porto a Gondomar - a estrada nacional 108 só foi projetada e
construída no anos 40 do século passado pelo ministro das obras públicas do Estado
Novo, Duarte Pacheco. A partir deste
ponto o Porto começa a parecer uma aldeia. O rio não se vê, está escondido por uma vegetação
densa e anárquica que provavelmente esconde lixo atirado à água. É um sítio de
fronteira, esquecido pelos dois municípios.
Subimos a rua da Granja num vale encaixado provocado pela erosão
dos rios Tinto e Torto. Um lavrador vai sachando a terra nas margens. O ambiente é totalmente diferente, não há turismo, as pessoas são
mais desconfiadas, é como se estivéssemos num sítio muito distante. Olham-nos furtivamente. Chegamos ao bairro do Lagarteiro,
que dizem ser “problemático”. Nele foram alojadas famílias de baixos
rendimentos. As ruas estão limpas. Os prédios, embora monótonos e densos, tem as
paredes cuidadas. Passam por nós famílias ciganas. No ringue os miúdos jogam
futebol e metem-se connosco. Logo a seguir fica o parque oriental da cidade, atravessado pelo rio Tinto. Foi desenhado pelo arquiteto paisagista Sidónio Pardal.
Imita o rural, junta o autóctone e o exótico, tem um conceito “multiusos”, segundo o qual os visitantes apropriam-se dele como entenderem, não há espaços específicos
para crianças e atividades desportivas, como em muitos parques. Um caso de sucesso frequentado por todos os
grupos sociais. Liga a rotunda do Freixo ao Parque Urbano de Rio Tinto, numa
longa extensão verde percorrida por ciclistas e caminhantes.
Esteva |
Parque Oriental |
Ponte medieval do Rego Lameiro |
"A partir deste ponto o Porto começa a parecer uma aldeia". |
Quinta de Allen: "Numa das paredes da quinta está embutida uma peça do barco como recordação desse episódio". |
"Seguimos pela marginal descaracterizada do rio até ao passadiço onde começa o concelho de Gondomar, uma separação que mostra o “desencontro” dos municípios" |
Quinta da Revolta |
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