sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Contos do Gin-tonic


 

Lendo-os a primeira vez, estranha-se. Depois, como dizia Fernando Pessoa, entranha-se.

Escrita crua, rápida. Frases curtas e diretas, sem rendilhados e adjetivações. Diálogos sucintos. Personagens muitas vezes bizarras. Textos repletos de metáforas e alegorias: “O planeta Procion 5”, “A Grande Guerra Planetária Patriótica”, “Argola é Nossa!”, “Viva Tramagal!”.  Alusões irónicas ao país onde o autor nasceu, de onde fugiu e se exilou da ditadura do Estado Novo.

Um vago tom de tristeza e amargura percorre os contos, repletos de ironia e sarcasmo constantes. Mário Henrique-Leiria levou uma vida errante. Viveu em Israel, logo após a formação da nova nação, havendo ecos vagos desse período no conto “Felina”. Passou pela Alemanha, onde conheceu a futura esposa, que mais tarde lhe pôs os cornos. Deu-lhe o divórcio, foi para a América Latina, regressou a tempo de assistir ao 25 de abril. Saudou ironicamente “os 10 milhões de democratas que surgiram em Portugal no dia seguinte à revolução (prefácio de ACF, pág.14, coleção Público). Sofria de uma doença óssea que lhe provocava dores indizíveis: “A felicidade resume-se a estar 5 minutos sem dor” (prefácio, pág. 14). Morreu em Carcavelos aos 57 anos, onde vivia com a mãe e a tia. Nasceu em Lisboa em 1923. Aderiu ao surrealismo na década de 50, privou com Mário Cesariny e Cruzeiro Seixas, no entanto,  os  grupos não eram a sua praia. Manteve  a sua  idiossincrasia e distanciamento   Os contos e poemas reunidos nos  dois únicos livros “Contos do Gin-tonic” e  “Novos Contos do Gin-tonic”, publicados em 1973 e 1976,  tornaram-se conhecidos apenas  porque  os textos do primeiro livro foram submetidos por um amigo à leitura de um “editor atento”. É obvio que o gin-tónico era a sua bebida preferida e a de muitas das suas personagens. 

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