O Bestança nasce na serra de
Montemuro, a 1220 metros de altitude. Corre rumoroso entre desfiladeiros
apertados, rochas de xisto e uma vegetação magnífica, luxuriante, em direção ao
Douro. 13 Km, apenas. De deslumbramento.
O ponto de encontro é a praça Velasquez,
encontro habitual de grupos de caminheiros e excursionistas diversos aos sábados
de manhã. Os participantes no river trekking da Wildest conhecem-se de anteriores
passeios, tratam-se por tu e você. Pessoas habituadas a este tipo de saídas,
com poder de compra. “Andei de balão na Califórnia”,
“Inscrevi duas amigas na viagem à Lapónia.” A conversa segue animada entre reformados
e outros ansiando pela reforma, contando os feriados e as pontes para se
inscreverem no maior número possível de saídas da agência. “A partir de
Setembro, só temos o 1 de Novembro a uma sexta-feira. Os outros feriados calham
ao fim-de-semana", diz uma professora farta de dar aulas. Na carrinha de 9
lugares apenas um passageiro segue calado, vai encostado à porta, reservado. Foi
o único que se manteve em silêncio, à margem dos restantes caminheiros, enquanto
aguardavam a chegada do transporte.
Paragem em Marco de Canaveses
para o café da manhã. Decorre a feira concorrida no parque da cidade. Vendedores com os artigos expostos na relva da
berma da estrada, de aspeto improvisado. Idosos e emigrantes chegados de França vestidos com a
sua melhor roupa, ciclistas e motoqueiros de fim-de-semana, clientes a entrar e
a sair do café. Homens de pele tisnada pelas muitas horas de trabalho em
contacto com o sol inclemente nas obras e no campo. O camião debita música alta
dos Coldplay, circula na avenida a fazer publicidade no painel
eletrónico à oculista da terra. Rebuliço.
A estrada sinuosa, alcatroada, passa perto de Baião. Segue através de colinas
verdejantes de vinhedos, matas e socalcos que descem até ao Rio Douro, por casas
e aldeias de xisto dispersas ao longo do trajeto. Vivendas imponentes
abandonadas. Hoteis. A linha do Douro. Portugal.
Chegamos a Ferreiros de Tendais. Mudamos
de roupa, vestimos calção de banho, calçamos os botins de água. Levamos uma
pequena mochila às costas. O resto do material fica numa das carrinhas.
Descemos por caminhos rurais, ao lado de casas rústicas de granito, quintais, arvoredo frondoso, evitando as caganitas
de cabra nas pedras da calçada. Finalmente
o rio Bestança. A água límpida corre entre as gargantas apertadas, sobre rochedos escorregadios
alisados pela corrente e fendas xistosas. Loureiros selvagens emanam das folhas
rasgadas um intenso cheiro aromático, sem comparação com o comprado nas lojas. Natureza
esplendorosa, generosa. Caminhamos com a água pela cintura, contornando rochas,
colocando as mãos nas pedras para não escorregar, com cuidado, devagar. O Inácio amarra a corda ao tronco do amieiro
para ajudar os caminhantes nas passagens mais íngremes. Sinto-me um Tarzan, balouçando-me,
dando lanço com as pernas contra o penhasco. Cruzamos moinhos abandonados, cobertos de
musgo e fetos nas telhas partidas, sem portas e janelas.
O grupo senta-se na levada, repousa
as pernas dentro da água fria. Apetece
mergulhar na poça translúcida. O Inácio diz que no fim do percurso há uma praia fluvial com
cascata para tomar banho.
Mulheres maduras tiram selfies, posam
em cima das rochas com lagoas por trás, colocam
os dedos em forma de V deitado, sorriem para a câmara e fazem beicinho com os
lábios, como adolescentes. Eu também tiro muitas fotografias, não me canso de
tirar, as panorâmicas são sempre surpreendentes. Até que me farto. Pareço os
miúdos sempre a tirar fotografias, sem apreciar a paisagem, viciados em imagens
digitais. A partir de agora vou tentar apreciar
a realidade, imbuir-me na natureza, no seu espírito, esquecer o vício de pegar
no telemóvel por tudo e por nada.
Chegamos ao fim, à praia fluvial
de Pias. O acesso ao rio por uma das margens está vedado por um particular e na
outra margem o parque de lazer não tem acesso direto à água. Desce-se por uma
escada, contornam-se rochas e o caminho para a cascata está cheio de ervas altas.
Não é fácil mergulhar, o único senão deste
trajeto esplendoroso.
O grupo reúne-se na esplanada do
Snack-bar “Refúgio do Bestança”. O Homem calado senta-se na mesa ao lado a
beber um fino, meto conversa com ele. Diz-me: Não conheço mais nenhum sítio assim.
Venho muitas vezes, já fiz a caminhada desde a nascente. Gosto de ficar em
silêncio a apreciar a paisagem, sento-me debaixo da vegetação nas rochas do rio, molhando
os pés, dando mergulhos quando há mais água. O Bestança varia com a época do
ano e a hora, cada dia é diferente. As neblinas dão-lhe um ar encantado, parece
um conto de fadas, misterioso. Por vezes, venho sozinho, de camioneta e à
boleia, não conduzo e não gosto de grupos grandes. Estar em contacto
com a natureza, sair de casa, é uma necessidade imperiosa para mim.
O Homem, que ao início da manhã
parecia rude e pouco sociável, revelou-se
uma pessoa bastante delicada. Como as impressões iniciais e o aspeto enganam.
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