sábado, 15 de junho de 2024

River Trekking no Bestança

 


O Bestança nasce na serra de Montemuro, a 1220 metros de altitude. Corre rumoroso entre desfiladeiros apertados, rochas de xisto e uma vegetação magnífica, luxuriante, em direção ao Douro. 13 Km, apenas. De deslumbramento.

O ponto de encontro é a praça Velasquez, encontro habitual de grupos de caminheiros e excursionistas diversos aos sábados de manhã. Os participantes no river trekking da Wildest conhecem-se de anteriores passeios, tratam-se por tu e você. Pessoas habituadas a este tipo de saídas, com poder de compra. “Andei de  balão na Califórnia”, “Inscrevi duas amigas na viagem à Lapónia.” A conversa segue animada entre reformados e outros ansiando pela reforma, contando os feriados e as pontes para se inscreverem no maior número possível de saídas da agência. “A partir de Setembro, só temos o 1 de Novembro a uma sexta-feira. Os outros feriados calham ao fim-de-semana", diz uma professora farta de dar aulas. Na carrinha de 9 lugares apenas um passageiro segue calado, vai encostado à porta, reservado. Foi o único que se manteve em silêncio, à margem dos restantes caminheiros, enquanto aguardavam a chegada do transporte.

Paragem em Marco de Canaveses para o café da manhã. Decorre a feira concorrida no parque da cidade.  Vendedores com os artigos expostos na relva da berma da estrada, de aspeto improvisado. Idosos  e emigrantes chegados de França vestidos com a sua melhor roupa, ciclistas e motoqueiros de fim-de-semana, clientes a entrar e a sair do café. Homens de pele tisnada pelas muitas horas de trabalho em contacto com o sol inclemente nas obras e no campo. O camião debita música alta dos  Coldplay, circula na  avenida a fazer publicidade no painel eletrónico  à  oculista da terra.  Rebuliço.  

A estrada sinuosa, alcatroada,  passa perto de Baião. Segue através de colinas verdejantes de vinhedos, matas e socalcos que descem até ao Rio Douro, por casas e aldeias de xisto dispersas ao longo do trajeto. Vivendas imponentes abandonadas. Hoteis. A linha do Douro.  Portugal.

Chegamos a Ferreiros de Tendais. Mudamos de roupa, vestimos calção de banho,  calçamos os botins de água. Levamos uma pequena mochila às costas. O resto do material fica numa das carrinhas. Descemos por caminhos rurais, ao lado de casas rústicas de granito,  quintais, arvoredo frondoso, evitando as caganitas  de cabra nas pedras da calçada. Finalmente o rio Bestança.  A água límpida corre  entre as gargantas apertadas, sobre rochedos escorregadios alisados pela corrente e fendas xistosas. Loureiros selvagens emanam das folhas rasgadas um intenso cheiro aromático, sem comparação com o comprado nas lojas. Natureza esplendorosa, generosa. Caminhamos com a água pela cintura, contornando rochas, colocando as mãos nas pedras para não escorregar, com cuidado, devagar.  O Inácio amarra a corda ao tronco do amieiro para ajudar os caminhantes nas passagens mais íngremes. Sinto-me um Tarzan, balouçando-me, dando lanço com as pernas contra o penhasco.  Cruzamos moinhos abandonados, cobertos de musgo e fetos nas telhas partidas, sem portas e janelas.

O grupo senta-se na levada, repousa  as pernas dentro da água fria. Apetece mergulhar na poça translúcida. O Inácio diz que  no fim do percurso há uma praia fluvial com cascata para tomar banho.  

Mulheres maduras tiram selfies, posam em cima das rochas com lagoas  por trás, colocam os dedos em forma de V deitado, sorriem para a câmara e fazem beicinho com os lábios, como adolescentes. Eu também tiro muitas fotografias, não me canso de tirar, as panorâmicas são sempre surpreendentes. Até que me farto. Pareço os miúdos sempre a tirar fotografias, sem apreciar a paisagem, viciados em imagens digitais.  A partir de agora vou tentar apreciar a realidade, imbuir-me na natureza, no seu espírito, esquecer o vício de pegar no telemóvel  por tudo e por nada.

Chegamos ao fim, à praia fluvial de Pias. O acesso ao rio por uma das margens está vedado por um particular e na outra margem o parque de lazer não tem acesso direto à água. Desce-se por uma escada, contornam-se rochas e o caminho para a cascata está cheio de ervas altas.  Não é fácil mergulhar, o único senão deste trajeto esplendoroso.

O grupo reúne-se na esplanada do Snack-bar “Refúgio do Bestança”. O Homem calado senta-se na mesa ao lado a beber um fino, meto conversa com ele. Diz-me: Não conheço mais nenhum sítio assim. Venho muitas vezes, já fiz a caminhada desde a nascente. Gosto de ficar em silêncio a apreciar a paisagem, sento-me  debaixo da vegetação nas rochas do rio, molhando os pés, dando mergulhos quando há mais água. O Bestança varia com a época do ano e a hora, cada dia é diferente. As neblinas dão-lhe um ar encantado, parece um conto de fadas, misterioso. Por vezes, venho sozinho, de camioneta e à boleia, não conduzo e não gosto de grupos grandes. Estar em contacto com a natureza, sair de casa, é uma necessidade imperiosa para mim.

O Homem, que ao início da manhã parecia rude e  pouco sociável, revelou-se uma pessoa bastante delicada. Como as impressões iniciais e o aspeto enganam.





















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