Beco de Santa Quitéria |
Na rua do Bemformoso o ambiente muda completamente. De repente, estamos numa rua asiática, tal é a quantidade de homens Indostânico atarefados no caminho. Os turistas distinguem-se pela tez clara e roupa desportiva. Há poucas mulheres.
Será por se sentirem inseguras?
Vemos no fim da rua uma aglomeração: prostitutas portuguesas, brancas, decadentes, dentes podres, cara engelhada do consumo de heroína, à entrada da pensão.
O Ramadão começa este fim de semana, o rebuliço está relacionado com o início do jejum. Preparam-se nos restaurantes e talhos iguarias estranhas, carnes e legumes misturados enfiados em sacos de plástico. O velho careca arrasta o panelão de alumínio na rua, leva uma massa castanha que parece carne moída. Convidam-nos a entrar. Recusamos amavelmente.
Africanos, mulheres de sari, paquistaneses. Magrebinos que se distinguem pela boina rendada, as jelabas compridas e largas e as sandálias de couro.
Na entrada do talho, halal, pendurado por cima da porta, um reclame envidraçado de Imran Khan, ex-primeiro ministro paquistanês, preso por corrupção. Mais barbearias, mercearias e agências de viagem, cheias de gente.
Descendo a rua vê-se um mar de cabeças e de corpos escuros. É, realmente, outra Lisboa: a mais cosmopolita
do país na freguesia com maior número de nacionalidades – Arroios.
Metido numa
reentrância da rua, de cócoras encostado ao muro, um fulano branco, com ar de português, queima heroína
numa folha de prata. Ao lado, uma mulher escura de aspeto indiano e de
toxicodependente, prepara-se para se injetar. O talhante em frente fatia a carne para os clientes, indiferentes ao consumo.
O rés-do-chão do centro comercial do Martim Moniz cheira a especiarias. Os corredores atafulhados de bugigangas sem o cuidado estético e a organização das grandes superfícies comerciais frequentadas pela classe média portuguesa. Amontoam-se malas, cabedais e cintos nas entradas das lojas. As mercearias são exíguas. Um Sikh gordo e enorme demora-se a olhar para os sacos de caril, comparando preços, obrigando os restantes clientes a dar a volta pelo outro lado. A fila aperta-se junto à caixa registadora. Vendem-se artigos indostânicos, chineses, africanos e magrebinos procurados pelos clientes das mesmas regiões.
A comunidade africana é a mais numerosa no largo do Martim Moniz, dispersa-se sentada nos bancos, deambulando pelos passeios, regateando entre si relógios, couros, bugigangas que alguns expõem nos lençóis colocados no chão. Uma
tenda está montada num dos canteiros, outras aparecerão enfiadas nas esquinas. O número de toxicodependentes e
de sem-abrigo cresceu bastante nos últimos meses. Veremos mais tendas debaixo da pala, na parte
alta da saída da estação do Rossio, formando um miniacampamento repleto dos plásticos que as protegem e de colchões piolhentos.
Deambulamos pelo Bairro Alto e o
Príncipe Real, por uma Lisboa mais
elegante e fina. De prédios de luxo vendidos a franceses, magnatas brasileiros
e ao jet-set internacional. Gostam da tranquilidade, do
sol, das pessoas e da comida. Passam uma parte do ano na cidade, a outra
viajando, vivendo dos rendimentos chorudos dos negócios imobiliários, amealhando
fortunas ligadas aos domínios da internet e às novas tecnologias.
Lisboa encanta. Sente-se que os turistas andam felizes e surpreendidos pelo exotismo da cidade, pelas camadas de história sobrepostas, pela anarquia dos monumentos, estilos arquitetónicos e épocas, pelas colinas onduladas e os miradouros alcantilados com vistas soberbas sobre bairros airosos e multicoloridos.
O Cheirinho a sardinha assada emana das ruelas e becos de Alfama – só mesmo turistas incautos e ignorantes dos hábitos gastronómicos portugueses pedem sardinhas assadas, em março!? - Uma pastelaria junto às Portas do Sol vende pasteis de nata recheados com Nutella! Como é possível!?
Subindo e descendo escadarias e encostas, sentindo Lisboa, absorvendo os seus encantos e mistérios. A sua história. Em boa companhia, falando, comentando, discutindo os problemas da cidade e do país.
"Podíamos ser tão ricos, não fosse esta classe de políticos corruptos e incompetentes."
"Somos um país tão bonito. Temos tanta história!"
"Lisboa está na moda."
Lisboa tem muito que ver. Não
para de surpreender.
Apanhamos o elétrico 28 rumo à Basílica da Estrela. Temos sorte porque não vai apinhado: 2,5 € o preço do bilhete. A guarda-freios procura pacientemente o troco na caixa registadora, enquanto os próximos passageiros aguardam na rua que a entrada fique desimpedida.
É sempre bom voltar Lisboa.
Rua de São Bento |
Rua da Rosa |
Miradouro do Torel |
Painel de azulejos na fábrica da Viúva Lamego, Intendente |
Campo de Santa Clara |
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