sábado, 30 de março de 2024

Belmonte

 

Castelo de Belmonte

O rei D. Manuel I decretou em 1496 a expulsão dos judeus de Portugal ou a sua conversão ao catolicismo.

Os sefarditas fugiram para países mais tolerantes, outros converteram-se, tornando-se Cristãos Novos. Outros  ainda não aceitaram a conversão forçada, nem a fuga, continuaram a praticar o judaísmo com a conivência dos cristãos. Sem sinagogas,  objetos religiosos  que os denunciassem ou o cemitério onde pudessem enterrar os  mortos. 

Devido ao secretismo e isolamento da comunidade o  judaísmo adquiriu elementos próprios. O criptojudaísmo de Belmonte foi transmitido ao longo dos 500 anos seguintes pelas mulheres da comunidade,  acrescentando-lhe elementos  cristãos, nomes de santos nas orações, desfazendo - se por medo dos objetos de culto e usando a língua portuguesa nas orações. Distanciando - se das práticas originais. Em 1989 foi reconhecida a comunidade judaica de Belmonte. As práticas voltaram a aproximar-se da norma religiosa, os judeus reconstruíram a  sinagoga, tem o seu rabino e lote no cemitério cristão, retomaram a celebração do ritual totalmente em hebraico. 

Belmonte apresenta-se como terra de tolerância e de convivência entre judeus e cristãos.

Ouço cânticos em hebraico. Desço as escadas do hotel e observo o grupo de turistas israelitas numa sala, em oração, lendo o talmude, homens de kipa e mulheres reformadas. Som hipnótico, tranquilizante. Sala  pequena para o grupo de 20 pessoas. Duas senhoras israelitas sentadas na escadaria observam-me, contorno-as e com o olhar peço desculpa por estar a incomodar.

É Shabat, dia da purificação. Entre o pôr- do-sol de sexta-feira e o pôr-do-sol de sábado não tocarão em dinheiro, não usarão telemóvel. Abster-se-ão de ouvir música,  ver televisão, ligar  interruptores,  usar o elevador,  tocar em qualquer objeto eletrónico. Usarão apenas a escadaria que dá acesso ao piso superior, atravessando a porta com o aviso em Inglês:  Shabat Door. Abrirão o quarto rodando as chaves na fechadura,  propositadamente  colocada por baixo do leitor eletrónico do cartão.  Acenderão a  vela  de cera colocada à entrada. Tudo na  maior simplicidade.

A cozinheira israelita  que acompanha  o grupo  certifica que o que comem tem origem kosher. Deu instruções precisas  ao chef português, não judeu, nesse sentido. Não comem farinhas fermentadas, grãos partidos de arroz, legumes com manchas negras, carne de porco, mariscos, peixe sem escamas e barbatanas. 

O chef  já está habituado aos clientes judeus, conhece as receitas, sabe onde adquirir e como confecionar os alimentos  para cumprir os seus preceitos religiosos. 

O hotel teve uma quebra abrupta de clientela. Este é o primeiro grupo de israelitas  depois dos ataques do Hamas de 7 Outubro de 2023. 30% dos clientes eram israelitas, hoje são raros. Homens e mulheres  estão impedidos de sair do país devido à guerra. Podem ser chamados para o exército a qualquer momento. A guia conseguiu organizar a viagem inscrevendo pessoas  idosas  e com dupla nacionalidade, sendo   mais fácil a quem possui dupla nacionalidade obter autorização de saída.

O dono do hotel, o sr. Alípio, pertence a uma das 55 famílias  judaicas de Belmonte. Casou com uma cristã, um caso pouco habitual,  a comunidade  manteve-se fechada privilegiando os casamentos dentro dela. Os nãos judeus não podem entrar na sinagoga durante o Shabat.  Ele cumpre os seus rituais religiosos aos sábados, ela cumpre-os   aos domingos.  Revezam-se  no trabalho do hotel  ao fim de semana. 

Outra nacionalidade importante de visitantes é a Brasileira. Pedro Álvares Cabral nasceu em Belmonte, filho de Fernão Cabral, a quem foi concedido pelo rei D. Afonso V o título hereditário de alcaide-mor do castelo de Belmonte, em reconhecimento dos feitos valorosos da família nas lutas de defesa do território contra os exércitos leoneses e castelhanos.  O panteão dos Cabrais encontra-se na igreja românica de Santiago. 

Belmonte tem 5 museus a curta distância uns dos outros: o castelo, o museu do azeite, o ecomuseu do Zêzere, o museu das descobertas e o museu judaico. 

Sem os conhecer ainda é de enaltecer a existência de 5 espaços museológicos numa pequena vila de pouco mais de 3000 habitantes. Ao contrário de muitas localidades no interior de Portugal aqui sente-se algum dinamismo social, veem- se níveis  etários mais diversos e equilibrados, e não somente uma população envelhecida. O turismo judaico, a história rica em património, a ligação ao Brasil e aos descobrimentos, o belíssimo vale do rio Zêzere que percorre a fértil cova da beira, terra de pomares, a proximidade da serra da Estrela, são  motivos de sobra para visitar este concelho surpreendente, com muita história e natureza  para descobrir.



Rua da Judiaria




 
Pelourinho

Janela Manuelina do Castelo

Interior do Castelo

Painel de Santiago na igreja românica do mesmo nome



Torre de Centum Cellas (Séc. I DC). Foi uma Villa Romana e séculos mais tarde terá sido uma prisão com 100 celas,  daí o nome por que é conhecido este estranho monumento. 


A Lontra

Museu das descobertas

Estátua de Pedro Álvares Cabral


Túmulo de Pedro Álvares Cabral

Interior da igreja românica de Santiago

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