Castelo de Belmonte |
O rei D. Manuel I decretou em 1496 a expulsão dos
judeus de Portugal ou a sua conversão ao catolicismo.
Os sefarditas fugiram para países mais tolerantes,
outros converteram-se, tornando-se Cristãos Novos. Outros ainda não
aceitaram a conversão forçada, nem a fuga, continuaram a praticar o judaísmo
com a conivência dos cristãos. Sem sinagogas, objetos religiosos
que os denunciassem ou o cemitério onde pudessem enterrar os mortos.
Devido ao secretismo e isolamento da comunidade
o judaísmo adquiriu elementos próprios. O criptojudaísmo de Belmonte foi
transmitido ao longo dos 500 anos seguintes pelas mulheres da comunidade,
acrescentando-lhe elementos cristãos, nomes de santos nas orações,
desfazendo - se por medo dos objetos de culto e usando a língua portuguesa nas
orações. Distanciando - se das práticas originais. Em 1989 foi reconhecida a
comunidade judaica de Belmonte. As práticas voltaram a aproximar-se da norma
religiosa, os judeus reconstruíram a sinagoga, tem o seu rabino e lote no
cemitério cristão, retomaram a celebração do ritual totalmente em hebraico.
Belmonte apresenta-se como terra de tolerância e de
convivência entre judeus e cristãos.
Ouço cânticos em hebraico. Desço as escadas do
hotel e observo o grupo de turistas israelitas numa sala, em oração, lendo o
talmude, homens de kipa e mulheres reformadas. Som hipnótico,
tranquilizante. Sala pequena para o grupo de 20 pessoas. Duas
senhoras israelitas sentadas na escadaria observam-me,
contorno-as e com o olhar peço desculpa por estar a incomodar.
É Shabat, dia da purificação. Entre o pôr- do-sol
de sexta-feira e o pôr-do-sol de sábado não tocarão em dinheiro, não usarão
telemóvel. Abster-se-ão de ouvir música, ver televisão, ligar interruptores, usar o elevador, tocar em qualquer objeto eletrónico. Usarão
apenas a escadaria que dá acesso ao piso superior, atravessando a porta com o aviso em Inglês: Shabat Door. Abrirão o quarto rodando as chaves na fechadura, propositadamente colocada por baixo do leitor eletrónico do cartão.
Acenderão a vela de cera colocada à entrada. Tudo na maior simplicidade.
A cozinheira israelita que acompanha o
grupo certifica que o que comem tem origem kosher. Deu instruções
precisas ao chef português, não judeu, nesse sentido. Não comem farinhas
fermentadas, grãos partidos de arroz, legumes com manchas negras, carne de
porco, mariscos, peixe sem escamas e barbatanas.
O chef já está habituado aos clientes judeus,
conhece as receitas, sabe onde adquirir e como confecionar os alimentos
para cumprir os seus preceitos religiosos.
O hotel teve uma quebra abrupta de clientela. Este
é o primeiro grupo de israelitas depois dos ataques do Hamas de 7 Outubro
de 2023. 30% dos clientes eram israelitas, hoje são raros. Homens e
mulheres estão impedidos de sair do país devido à guerra. Podem ser
chamados para o exército a qualquer momento. A guia conseguiu organizar a
viagem inscrevendo pessoas idosas e com dupla nacionalidade,
sendo mais fácil a quem possui dupla nacionalidade obter
autorização de saída.
O dono do hotel, o sr. Alípio, pertence a uma das
55 famílias judaicas de Belmonte. Casou com uma cristã, um caso pouco
habitual, a comunidade manteve-se fechada privilegiando os
casamentos dentro dela. Os nãos judeus não podem entrar na sinagoga durante o
Shabat. Ele cumpre os seus rituais religiosos aos sábados, ela
cumpre-os aos domingos. Revezam-se no trabalho do
hotel ao fim de semana.
Outra nacionalidade importante de visitantes é a
Brasileira. Pedro Álvares Cabral nasceu em Belmonte, filho de Fernão Cabral, a
quem foi concedido pelo rei D. Afonso V o título hereditário de alcaide-mor do
castelo de Belmonte, em reconhecimento dos feitos valorosos da família nas
lutas de defesa do território contra os exércitos leoneses e castelhanos.
O panteão dos Cabrais encontra-se na igreja românica de Santiago.
Belmonte tem 5 museus a curta distância uns dos
outros: o castelo, o museu do azeite, o ecomuseu do Zêzere, o museu das
descobertas e o museu judaico.
Sem os conhecer ainda é de enaltecer a existência de 5 espaços museológicos numa pequena vila de pouco mais de 3000 habitantes. Ao contrário de muitas localidades no interior de Portugal aqui sente-se algum dinamismo social, veem- se níveis etários mais diversos e equilibrados, e não somente uma população envelhecida. O turismo judaico, a história rica em património, a ligação ao Brasil e aos descobrimentos, o belíssimo vale do rio Zêzere que percorre a fértil cova da beira, terra de pomares, a proximidade da serra da Estrela, são motivos de sobra para visitar este concelho surpreendente, com muita história e natureza para descobrir.
Rua da Judiaria |
Pelourinho |
Janela Manuelina do Castelo |
Interior do Castelo |
Painel de Santiago na igreja românica do mesmo nome |
Torre de Centum Cellas (Séc. I DC). Foi uma Villa Romana e séculos mais tarde terá sido uma prisão com 100 celas, daí o nome por que é conhecido este estranho monumento. |
A Lontra |
Museu das descobertas |
Estátua de Pedro Álvares Cabral |
Túmulo de Pedro Álvares Cabral |
Interior da igreja românica de Santiago |
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