quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Porto (da Ponte da Arrábida à Avenida da República)

 

Panorâmica sobre o rio Douro e o Porto, da ponte da Arrábida.

Havia muita terra por desbravar nas entradas das cidades, locais perfeitos para construir grandes superfícies comerciais,  autoestradas e novas vias rodoviárias para atrair consumidores nos seus automóveis, estimulando as compras  em doses massivas.  O automóvel tornou-se o meio privilegiado de acesso ao consumo. É inconcebível ir a pé, exceto para quem vive nas urbanizações construídas ao redor, distantes dos centros históricos. Locais sem passado nem memória, cujo centro de convívio, encontro e socialização passou a ser o centro comercial.

Sair a pé do Arrábida Shopping em direção ao centro do Porto é uma aventura que não recomendo a ninguém.  Atravessar as vias rápidas, subir rails, passar entre faixas de rodagem de sentidos diferentes, ficar parado em cima dos separadores  no meio dos carros, dos buzinões, do cocktail químico dos canos de escape e da insegurança rodoviária.

Felizmente o trânsito estava lento, como é cada vez mais habitual a qualquer hora e dia. As horas de ponta já não ocorrem apenas nos momentos pré e pós laborais. Eram quatro da tarde e a circulação automóvel estava congestionada no acesso ao Porto.  Passei entre os carros que fluíam  lentamente até chegar ao outro lado do rail metálico e  caminhar pelo acesso estreito  à Ponte da Arrábida, onde ali sim, o passeio é largo e separado da estrada pelo muro de cimento.  Projetada pelo engenheiro Edgar Cardoso, concebida, também, como via pedonal entre as duas margens.  Os elevadores não são usados e é raro ver peões. O potencial pedestrianista da ponte da Arrábida foi-se perdendo em detrimento da utilização exponencial dos veículos motorizados. Lembro-me do meu amigo Pascoal no regresso a casa em Canidelo quando ficava no Porto até de madrugada, no tempo em que não havia dinheiro para pagar táxi.

Foi tranquila e incomum a passagem para a outra margem. Observei  a cidade de onde habitualmente a vejo apressadamente, na circulação fugaz e acelerada das viaturas. A caminhada no Porto continuou tranquila,  com passeios, obras nas ruas e desvios.

Campo Alegre. Rua de Vilar. Palácio de Cristal. Hospital de Santo António. Cordoaria (onde decorre uma feirinha de Natal). Rua dos Clérigos. Largo dos Loios. Mouzinho da Silveira. Vimara Peres (outra feirinha de Natal e este músico do outro lado da rua):

 

Ponte D. Luís. Jardim do Morro.

Na paragem de metro dois seguranças exaltaram-se, ameaçaram duas adolescentes. Entram ou saem, não podem estar a entrar e a sair, querem que chamemos a autoridade? As adolescentes seguiram viagem dentro da carruagem. Os seguranças encostaram-se ao coberto consultando o telemóvel, dizendo foda-se caralho com frequência. Dois brutamontes sem brio, indiferentes aos papeis dos recibos que se acumulavam no guichê da maquina de carregamento e ao lixo no chão.

Mais acima, na avenida da República junto à estação de D. João II, passageiros exasperados aguardavam a chegada dos autocarros para o Sul do concelho de Vila Nova de Gaia, protestando com os novos horários e a desordem que se instalou no arranque do projeto de mobilidade urbana,  UNIR. É uma vergonha, dizia um senhor idoso, em quarenta anos nunca vi nada assim.

Apesar dos protestos e do mau funcionamento, manifesto o meu apoio e solidariedade. Sei que o arranque não está a ser fácil, por falta de autocarros, motoristas, incumprimento de horários. Desejo que as dificuldades sejam colmatadas gradualmente. O grande Porto merece uma rede de transportes integrada,  tal como acontece nas principais cidades europeias, nas quais  o mesmo bilhete serve  a deslocação  entre todas as localidades das regiões urbanas e os meios são uniformizados como uma só empresa, facilitando a mobilidade dos  passageiros. Vejo a transformação, “revolução”, como é chamada pela UNIR, uma medida importante nesse sentido. É preciso coragem e vontade de alterar processos e  rivalidades arreigadas há décadas entre as empresas concorrentes. A medida significa uma política integrada em prol de todos, em que as empresas, em vez de competirem umas com as outras, cooperam.  Aprovo em absoluto as ideias gerais do projeto. As novas linhas e horários podem ser consultadas no  site online, aqui. 

As senhoras mais próximas de mim no interior do autocarro não partilhavam o meu entusiasmo e otimismo, estavam descrentes, cansadas de todos os dias, nas últimas três semanas, terem horários incertos e de não conseguirem chegar a casa como antes. Uma delas tem de caminhar mais vinte minutos, a outra tem de telefonar ao marido para a levar o resto do caminho, pois, por enquanto,  não há autocarros a partir das 7 da tarde para Santa Maria da Feira.

Um imigrante brasileiro saiu comigo, perguntou como se ia para a Feiteira. Sempre em frente. Mostrou-se reservado, esquivo, seguiu do outro lado da rua, talvez amedrontado por ser  noite, estar num país estranho e ter de caminhar até um local que conhece mal. Regressando a casa do trabalho no Porto, abandonado pela falta de autocarros.  Sem apoio familiar e pessoas a quem  ligar para o irem buscar.



Rua de Vilar

Av. Vimara Peres


Carvalhos, Vila Nova de Gaia

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