Panorâmica sobre o rio Douro e o Porto, da ponte da Arrábida. |
Havia muita terra por desbravar nas
entradas das cidades, locais perfeitos para construir grandes superfícies
comerciais, autoestradas e novas vias rodoviárias para atrair consumidores
nos seus automóveis, estimulando as compras em doses massivas. O automóvel tornou-se o meio privilegiado de
acesso ao consumo. É inconcebível ir a pé, exceto para quem vive nas
urbanizações construídas ao redor, distantes dos centros históricos. Locais sem
passado nem memória, cujo centro de convívio, encontro e socialização passou a
ser o centro comercial.
Sair a pé do Arrábida Shopping em
direção ao centro do Porto é uma aventura que não recomendo a ninguém. Atravessar as vias rápidas, subir rails,
passar entre faixas de rodagem de sentidos diferentes, ficar parado em cima dos
separadores no meio dos carros, dos
buzinões, do cocktail químico dos canos de escape e da insegurança rodoviária.
Felizmente o trânsito estava
lento, como é cada vez mais habitual a qualquer hora e dia. As horas de ponta
já não ocorrem apenas nos momentos pré e pós laborais. Eram quatro da tarde e a
circulação automóvel estava congestionada no acesso ao Porto. Passei entre os carros que fluíam lentamente até chegar ao outro lado do rail
metálico e caminhar pelo acesso estreito
à Ponte da Arrábida, onde ali sim, o passeio é largo e separado da estrada pelo
muro de cimento. Projetada pelo engenheiro
Edgar Cardoso, concebida, também, como via pedonal entre as duas
margens. Os elevadores
não são usados e é raro ver peões. O potencial pedestrianista da ponte da Arrábida foi-se perdendo em detrimento da utilização exponencial
dos veículos motorizados. Lembro-me
do meu amigo Pascoal no regresso a casa em Canidelo quando ficava no Porto até de madrugada, no tempo em que não havia dinheiro para pagar táxi.
Foi tranquila e incomum a passagem para a outra margem. Observei a cidade de onde habitualmente a vejo apressadamente, na circulação fugaz e acelerada das viaturas. A caminhada no Porto continuou tranquila, com passeios, obras nas ruas e desvios.
Campo Alegre. Rua de Vilar.
Palácio de Cristal. Hospital de Santo António. Cordoaria (onde decorre uma
feirinha de Natal). Rua dos Clérigos. Largo dos Loios. Mouzinho da Silveira.
Vimara Peres (outra feirinha de Natal e este músico do outro lado da rua):
Ponte D. Luís. Jardim do Morro.
Na paragem de metro dois
seguranças exaltaram-se, ameaçaram duas adolescentes. Entram ou saem, não podem
estar a entrar e a sair, querem que chamemos a autoridade? As adolescentes
seguiram viagem dentro da carruagem. Os seguranças encostaram-se ao coberto consultando
o telemóvel, dizendo foda-se caralho com frequência. Dois brutamontes sem brio,
indiferentes aos papeis dos recibos que se acumulavam no guichê da maquina de
carregamento e ao lixo no chão.
Mais acima, na avenida da República junto à estação de D. João II, passageiros exasperados aguardavam a
chegada dos autocarros para o Sul do concelho de Vila Nova de Gaia, protestando
com os novos horários e a desordem que se instalou no arranque do projeto
de mobilidade urbana, UNIR. É uma
vergonha, dizia um senhor idoso, em quarenta anos nunca vi nada assim.
Apesar dos protestos e do mau
funcionamento, manifesto o meu apoio e solidariedade. Sei que o arranque não
está a ser fácil, por falta de autocarros, motoristas, incumprimento de horários.
Desejo que as dificuldades sejam colmatadas gradualmente. O grande Porto merece
uma rede de transportes integrada, tal
como acontece nas principais cidades europeias, nas quais o mesmo bilhete serve a deslocação entre todas as localidades das
regiões urbanas e os meios são uniformizados como uma só empresa, facilitando a mobilidade dos passageiros. Vejo a transformação, “revolução”, como é chamada pela UNIR,
uma medida importante nesse sentido. É preciso coragem e vontade de alterar processos e rivalidades arreigadas há décadas entre as empresas concorrentes. A medida significa uma política integrada
em prol de todos, em que as empresas, em vez de competirem umas com as outras,
cooperam. Aprovo
em absoluto as ideias gerais do projeto. As novas
linhas e horários podem ser consultadas no site online, aqui.
As senhoras mais próximas de mim no
interior do autocarro não partilhavam o meu entusiasmo e otimismo, estavam
descrentes, cansadas de todos os dias, nas últimas três semanas, terem horários
incertos e de não conseguirem chegar a casa como antes. Uma delas tem de caminhar
mais vinte minutos, a outra tem de telefonar ao marido para a levar o resto do
caminho, pois, por enquanto, não há
autocarros a partir das 7 da tarde para Santa Maria da Feira.
Um imigrante brasileiro saiu
comigo, perguntou como se ia para a Feiteira. Sempre em frente. Mostrou-se
reservado, esquivo, seguiu do outro lado da rua, talvez amedrontado por ser noite, estar num país estranho e ter de caminhar até um local que conhece mal.
Regressando a casa do trabalho no Porto, abandonado pela falta de autocarros. Sem apoio familiar e pessoas a quem ligar para o irem buscar.
Rua de Vilar |
Av. Vimara Peres |
Carvalhos, Vila Nova de Gaia |
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