terça-feira, 26 de dezembro de 2023

No Vouguinha, de Águeda a Aveiro

 

Painel na estação de Águeda

A fachada da estação de Águeda foi pintada e remodelada. Recuperada por fora, sem serviços, bilheteiras, horários, guichets informativos, por dentro.  Apenas a tabela com os horários colada na parede do hall de entrada vazio. A espera faz-se nos bancos da plataforma de cimento que separa as duas únicas linhas. As placas penduradas indicam os números 1 e 2.  

Os passageiros distribuem-se pelos bancos, aguardando pacientemente a chegada da locomotiva, agarrados ao telemóvel. Gente de todas as idades: o casal idoso segura o carrinho das compras; a mulatinha elegante parece uma manequim, de longas tranças com missangas; o casal novo de mãos dadas; a Venezuelana que vai trabalhar na caixa de supermercado em Aveiro; dois negros obesos.

O silvo distante da locomotiva soa ao longe. Ela surge  após a curva,  vinda de Sernada do Vouga. Duas carruagens quase vazias, grafitadas, desconfortáveis e frias no interior.  Sempre as mesmas, nada melhorou em 30 anos, só piorou. Foram encerrados apeadeiros, encurtada a extensão, reduzidos os horários. A mesma pobreza e atavismo. A mesma pasmaceira e lentidão.

Ouve-se o trim trim trim  do sinal vermelho e da catraca fechada na passagem de nível de Casal do Álvaro. Os carros fazem fila na estrada. A fiscal acena a bandeirinha vermelha junto à cabine de cimento avisando o maquinista que pode continuar, não há objetos estranhos sobre os carris, viaturas ou pessoas a circular. Tudo seguro. A carruagem dá solavancos, parece que se vai desconjuntar toda; chiam os discos dos travões. Sente-se a trepidação do andamento. O banco é duro. Uma viagem destas, mais demorada, dá cabo da coluna. Ninguém se incomoda. O casal, do outro lado da coxia, namora e beija-se; os mais idosos agarram-se ao banco da frente absortos nos seus pensamentos; o negro gordo fala sozinho. A mulata gira na outra extremidade viaja virada para mim.

O cobrador entra na estação de Eirol: "Ora muito bom dia." Fato cinzento da CP, magro, cabelo grisalho para o comprido, barba de três dias,  ar de quem quer chegar à reforma o mais cedo possível. Prende a máquina de impressão dos bilhetes no corrimão metálico na entrada do vagão, pergunta aos passageiros a origem e o destino da viagem. Aponta no telemóvel.  Imprime os bilhetes. Entrega-os:  2,20€ pelo bilhete simples entre Águeda e Aveiro. O comboio para em São João de Loure. Ele coloca-se  do lado de fora no degrau da porta, estica a cabeça na direção da locomotiva,  faz  sinal com o braço ao maquinista para arrancar.

O comboio atravessa terrenos arados, lugarejos pequenos de vivendas rústicas a necessitarem de restauro e vivendas modernas ajardinadas  de painéis solares nos telhados. Quintais, pomares, planícies alagadas nas margens da pateira de Fermentelos e nos canais da ria. Abranda, entra na estação de Aveiro.  Os Alfa pendulares, Regionais, Intercidades, novinhos em folha, de chapas reluzentes e cores vivas,  contrastam com a velha e lenta Vouguinha. A estação é demasiado moderna para acolher uma locomotiva tão decrépita, resquício de uma linha em desaparecimento - a linha do Vouga. Ela fica discretamente parada  na última linha, a mais distante do terminal central, aguardando o  regresso a Sernada. Longe do rebuliço das centenas  de passageiros e turistas apinhados nas bilheteiras, lojas e cafetaria do rés -do-chão. Esquecida. 

 

Centro de Águeda

Centro de Águeda

Estação de Comboios de Águeda

Aveiro

Aveiro

Capela de Nossa Senhora das Febres, Aveiro


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