A Lagoa das Sete Cidades, da Vista do Rei |
A Caldeira Velha fica perto da Ribeira Grande, na estrada regional que liga à Lagoa, na costa Sul da ilha. Cascata de água quente natural, envolta em vegetação luxuriante, formando uma pequena piscina de água sulforosa. Eu colocava-me debaixo da queda de água, sentindo o chuveiro sobre as costas, tomando um duche prazeroso ao ar livre, massajando o corpo intensamente. Gatinhava com as mãos no fundo rochoso, calcando a folhagem que caia das árvores e se depositava no chão da piscina. Apanhava as folhas e com elas fazia uma cabeleira espessa e desgrenhada, qual sátiro atlântico. Não repugnava, tudo era limpo. A grande quantidade de enxofre não permitia o desenvolvimento de matéria orgânica. Por vezes, ficávamos até cair a noite, sem mais ninguém. Eu levava calções velhos que ficavam pesados e inutilizados com o enxofre. Sentia-me um bebé, chegava a casa tranquilo, totalmente relaxado.
Regressei anos mais tarde, o acesso estava melhorado, o estradão de terra alargado e haviam balneários de apoio. Mais tarde ainda, começaram a cobrar bilhete, devido ao crescimento exponencial de visitantes. A Caldeira Velha não era mais o sítio recôndito e de difícil acesso que conheci.
Depois do desvio para a Caldeira Velha, seguindo a estrada regional, chega-se à lagoa do Fogo. A paisagem é austera e despida. Àquela altitude, as névoas e o céu cerrado são comuns no interior da ilha. O nome “Fogo” talvez se deva à ilusão criada pela neblina permanente, como se fosse fumo tapando a visão da lagoa; ou, o mais provável, ao vulcanismo ativo que um dia a cratera expeliu.
No ano em que vivi na ilha, noticiou-se o desaparecimento de uma turista que percorria o trilho da lagoa. Deve ter sido por isso: a névoa intensa acompanhada de uma forte chuvada abateu-se sobre a cratera deixando-a desorientada, tendo depois caído num precipício qualquer.
Outro ponto com vistas soberbas sobre uma outra lagoa é a Vista do Rei, nas Sete Cidades. A primeira autêntica e genuína caminhada que fiz nos Açores, mais intensa e difícil, ligou a freguesia dos Ginetes, junto à costa, ao interior da cratera. Fiz a subida solitária debaixo de chuva, cruzando-me com manadas de vacas, pastores e cães de guarda, pela estrada alcatroada. O nome deve-se ao rei D. Carlos. Visitou o arquipélago nos finais do século XIX na companhia da esposa, a rainha D. Amélia, deixando marcas que perduram no nome dos doces “Dona Amélia”, e neste local, a “Vista do Rei”.
Antes de conhecer os Açores, já eu tinha visto em postais e livros este enquadramento famoso. Um dos livros foi o volumoso: “As Maravilhas Naturais do Mundo”, das Seleções do Reader`s Digest. Folheava-o frequentemente, entretido, imaginando visitar locais deslumbrantes do planeta um dia mais tarde. Nada como observar as lagoas ao natural, ficar suspenso, vendo a vegetação exuberante no interior da cratera, rodeado de silêncio, sob um céu plúmbeo. A descida foi demorada e difícil, em estrada de alcatrão, piso duro para pés e músculos.
Lá em baixo, cansado e transpirado, desfrutei o silêncio regenerador, sentado no muro da estrada que divide a lagoa azul da verde. Senti uma enorme tranquilidade, ouvindo apenas o ruído da água e o som ocasional de um peixe a mergulhar. As lagoas ondulavam suavemente com a brisa leve que soprava. As paredes do maciço vulcânico refletiam-se na água. Tinha os músculos atordoados de uma caminhada de seis horas. Passeei pelo lugarejo de casas brancas adormecidas, quase sem ninguém. Entrei no café e depois apanhei a camioneta de regresso a Ponta Delgada. Na cidade, era-me indiferente o trânsito, a lufa-lufa apressada das pessoas. Eu estava sujo, cansado, inebriado com as paisagens que tinha visto, de alma cheia, sereno e despreocupado.
Mais tarde, já na companhia de colegas, descobri novas lagoas nas encostas da cratera e a “Muralha da China”, um estreito passadiço em traves de madeira, protegido por cordas, no rebordo montanhoso do maciço.
Fui de camioneta ao Nordeste. Gostava de observar as pessoas a entrar e a sair. Mulheres idosas, de roupa e lenço preto na cabeça, revelando a intensa religiosidade da ilha. Turistas Franceses, um casal novo, mochileiros a cheirar a suor. O que os traria para estas bandas tão distantes, no meio do Atlântico, idílicas e caras? Só existiam voos diretos de Lisboa e Porto, da TAP. Admirei-lhes a coragem, a aventura magnífica que ousaram empreender.
Via o mar, falésias rochosas e povoamentos que iam surgindo depois de cada curva, novas panorâmicas, encantadoras. A camioneta passava por cascatas e miradouros sobre o mar. Nomes curiosos surgiam assinalados nas placas das estradas: Algarvia (onde uma colega do Algarve que conheci mais tarde posou), Achada, Porto Formoso.
Chega-se ao Nordeste por uma ponte sobre um riacho. Vila pequena de casas brancas e asseadas. Lembrei-me do poema de Eugénio de Andrade: “Eram casa brancas e gaivotas sobre o mar…”
A Lagoa das Furnas |
Lagoa do Fogo |
Caldeira Velha |
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