quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Mau tempo na Ilha


Não gostei da minha primeira chegada à Praia da Vitória. Janeiro estava a começar, vinha de regresso das férias de Natal, o voo para a Graciosa tinha sido cancelado, devido ao mau tempo.
A estrada Vinte e Cinco de Abril pareceu-me desolada com o seu piso irregular de paralelos e casas de Americanos abandonadas. Os enormes reservatórios cilíndricos de combustível, visíveis de vários pontos, aumentavam a fealdade do local.
Almocei uma moreia no centro da vila, enjoativa e gordurosa, frita no óleo usado muitas vezes.
Os velhos barcos e barracos de pesca, ao fundo do areal enegrecido, dando  a sensação de desmazelo; o muro da praia gasto pelo salitre e o mar escuro de Inverno. Eu, sozinho, num local novo e estranho, num dia triste e cinzentão, retido pelo mau tempo, não queria estar ali.
Aluguei carro no aeroporto, passaria o resto do dia a conhecer a ilha. Talvez as paisagens e as novas panorâmicas que descobriria me dessem algum ânimo. Não estava interessado em passear pelas ruas,  passar o tempo em cafés até à noite. Não conhecia ninguém, sentia pouca vontade e confiança para ver gente. Conduzir com o auto-rádio ligado, no conforto do Nissan Micra,  ver as paisagens, parecia a melhor opção. Enganei-me redundamente!
O tempo no interior estava péssimo, o nevoeiro denso tudo cobria, o vento soprava forte, as criptomérias baloiçavam  assustadoras sobre o carro. Encontrava-me numa estrada rural cheia de folhas e ramos partidos no chão, receava que uma árvore caísse de repente em cima do tejadilho e um acidente grave acontecesse. Estava arrependido de ter alugado o carro e ido conduzir para o interior, devia ter sido mais cauteloso e prever que o mau tempo, que causou o cancelamento do voo, também deveria afetar bastante o interior da ilha. Não conhecia o clima dos Açores, censurei-me pelo descuido. Agora, não havia mais nada a fazer, apenas confiar na sorte, conduzir com a maior  precaução possível, devagarinho. Corria um risco desnecessário por ignorância e insensatez.
Tinha os faróis ligados, segui sempre em frente, chegaria a algum sítio junto da costa, onde o tempo estava mais calmo e, a partir dali, conduziria junto ao mar. Desemboquei na via rápida, virei intuitivamente à direita. Alguns quilómetros, e muita chuva depois, cheguei a Angra.
Era a primeira vez que visitava Angra. Tive alguma dificuldade em conduzir pelas ruas apertadas de sentido único do centro histórico, os carros estacionados tornavam as passagens ainda mais estreitas e difíceis. A cidade parecia mais chique do que a Praia, de fachadas históricas  preservadas, torres de igreja,  desenho geométrico de ruas perpendiculares ao mar, desde a praça Velha até ao alto das Covas. Passei na famosa Carreira dos Cavalos, que ouvia falar amiúde, por ser onde se situava a sede da Secretaria Regional da Educação e Cultura; e no Alto das Covas, cuja fama chegava à Graciosa, devido à sua conotação  homossexual.
Entendi perfeitamente por que razão Angra era o centro da Cultura e da Educação dos Açores, Património Cultural da Humanidade, Sede do Bispado e Residência Oficial do Ministro da República. A cidade fora totalmente recuperada, mantendo a traça Pombalina original, após ter sido devastada por um violento sismo na noite de Ano Novo de mil novecentos e oitenta. No período das descobertas, o porto das Pipas foi um dos mais importantes entrepostos comerciais do Atlântico, local de paragem das naus navegando em direção à Índia e às Américas. Cobiçada, atacada várias vezes e, finalmente, conquistada pelos Espanhóis, que deixaram  um legado cultural muito forte na ilha Terceira. 
Com paciência, fui contornando as ruas e lombas mais difíceis, consegui estacionar próximo da rua Direita, onde fiquei alojado.
No dia seguinte, de manhã, eu iria para o aeroporto, tentar novamente o embarque
para a ilha Graciosa.

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