Rota da Pedra e da Água |
Na manhã seguinte juntamo-nos os
cinco na cozinha a tomar o pequeno almoço. Vejo Samuel de forma totalmente
diferente: chapéu de santiago, colar e t-shirt havaiana, pulseiras garridas, trombeta e um
pequeno mastro com a bandeira de Itália, preso na mochila. Jéssica muito
admirada, diz: “É ele!!!!”, mostra-me um vídeo a circular nas redes sociais do
Samuel a cantar eufórico, vestido de peregrino extravagante, a fazer o caminho.
Apanhamos boleia do companheiro
de Ester, Seso. Viúvo, o proprietário da casa. Tem filhos adultos, que preferem
viver noutro lado. A casa está vazia, rentabilizam-na, alugando-a a peregrinos.
Falamos da Galiza, de Rosalia de Castro, declama de cor:
“Adios ríos, adios fontes;
Adios, regatos pequenos,
Miña terra, miña terra,
Terra donde me eu criei
…”
Na viagem para o albergue, onde
iniciaremos a segunda etapa, conta-nos a lenda de Santo Ero, o fundador do
mosteiro de Armenteira:
O monge foi para o bosque ouvir o
som das aves, encontrou uma cujo canto o encantou tanto que só ao fim de
trezentos anos voltou a si.
Peregrino não empata peregrino e
cedo nos separamos, continuei apenas com o meu primo ao longo do rio
Armenteira, seguindo a rota da Pedra e da Água. Trajeto de oito quilómetros,
coincidente com o caminho de Santiago.
A Rota da Pedra e da Água
O nome deve-se à existência dos
moinhos, a pedra, ao longo do curso de água. Entramos num bosque encantado,
caminhando debaixo de copas frondosas e de sombras misteriosas, pela margem do
rio, repleto de moinhos abandonados, pequenas cascatas, rochas escorregadias e
musgos. Ambiente silencioso e ameno que nos transporta
para os contos de fadas, a história do capuchinho vermelho perdido na floresta,
o lobo mau e outras personagens fantásticas.
Saímos do mundo encantado da rota e seguimos por campos de milho, vinhas floridas, oferecendo uma sombra permanente à terra debaixo delas. Vimos aldeias com espigueiros tradicionais, casas rústicas de granito, igrejas e cruzeiros medievais de Santiago. Almoçamos numa tasca, a melhor que encontramos no caminho, no lugar de Mouzos. Vinho albariño servido em malgas de porcelana, acompanhado com entradas de fabada galega, em doses suficientes para não ser necessário pedir o prato principal.
Fomo-nos aproximando do fim da
segunda etapa, de 23 km, em Vilanova de Arosa. Encontramos no bar do parque de campismo
a Jéssica e a Emanuela. Que alegria! Juntàmo-nos elas. Mandámos vir mais cerveja.
Por que razão decidiram fazer o
caminho de Santiago sozinhas?
Jéssica: para ver as estrelas e
estar sozinha.
Emanuela: para descobrir-me e
estar sozinha.
Eu: Vocês são muito corajosas.
Estão de parabéns.
Elas: na realidade acabamos por
não estar sozinhas muito tempo, estamos sempre a encontrar pessoas e a andar
acompanhadas.
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O meu primo queria conhecer o
verdadeiro espírito dos caminhos de Santiago, dormindo num albergue de
peregrinos. A noite anterior não contou, tínhamos ficado num sítio demasiadamente
confortável. Neste sentido, o albergue de peregrinos de Vilanova de Arosa
correspondeu inteiramente às expetativas: desconfortável, apertado, com cheiros
esquisitos, repleto de peregrinos barulhentos.
Jéssica e Emanuela, que
chegaram depois de nós, só conseguiram lugar numa sala em que teriam de dormir
no chão. Não quiseram, foram procurar outro sítio. O albergue ocupa uma ala do
pavilhão desportivo municipal. A camarata mista tem 28 lugares em 14 beliches e apenas uma casa
de banho, com chuveiros e sanitas. Estavam disponíveis, contudo, os balneários
do pavilhão, onde tomei o meu duche. O hospitaleiro deu-nos as fronhas para a
almofada e o colchão, carimbou as nossas credenciais, pagamos 10€ por pessoa. Deixamos as sapatilhas num
banco fora da camarata, entramos, deparamo-nos com uma algazarra de italianos,
homens e mulheres, mochilas e roupas espalhadas no chão, nas cadeiras,
dispostas nos colchões dos beliches. Por sermos os últimos, ficamos com os
piores lugares, na parte de cima do beliche, e eu ao lado da porta, por onde
todos entravam e saiam.
Deitei-me no colchão, tentando
descansar, abstraindo-me do ruído das conversas animadas e dos cheiros esquisitos,
quando uma italiana bonita entra na camarata e passa ao meu lado,
apenas com a toalha de banho enrolada no corpo: “scusa”, disse-me.
A noite foi uma autêntica
sinfonia de ressonadelas, umas mais graves do que outras. Por vezes ouvia uma
solitária e longa, imediatamente acompanhada por outras fazendo coro. Pensei:
são italianos, vou imaginar que são o Pavarotti e os ruídos áreas de Verdi. Acho
que consegui dormir alguma coisa. Às cinco da manhã o colchão ao meu lado já
estava desocupado. Lentamente os peregrinos foram acordando, com algumas risadas
femininas, colocando os objetos nas mochilas, indo à casa de banho. Às sete de
manhã quase todos tinham abandonado a camarata.
É impossível dormir mais tempo,
por muito cansado que se esteja. No entanto, há peregrinos que dormem que nem
uma porta, abstraindo-se completamente dos barulhos.
- Como é que há gajos que
conseguem isso? – perguntou o meu primo com uma certa inveja.
Rota da Pedra e da Água |
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Tasca em Mouzos, a melhor do caminho |
Chegada a Vilanova de Arousa |
Vilanova de Arousa |
Vilanova de Arousa |
No albergue de Vilanova de Arousa |
Ainda a rota da Pedra e da Água |
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