Anta da Cerqueira |
A Armanda Pinho juntou-se a nós no café restaurante “O Júnior” em Couto de Cima. Antes de iniciarmos a caminhada insistiu que passássemos na casa que recuperou para alojamento local, “Sabores@Arte”, pronta a receber visitas. Um belo edifício no centro da freguesia, de arquitetura tradicional e paredes de granito, com muita luz e conforto. Mantem os traços e os resquícios arquitetónicos das funções realizadas noutras épocas, como a adega e a sala com lareira, com o conforto e a funcionalidade de uma casa moderna. No rés-do-chão, onde antigamente se guardavam os animais e as alfaias, fez um pequeno auditório para apresentar filmes e realizar eventos dedicados à cultura local. Quer recolher produtos de artesanato, agricultura e doçaria regional para vender aos visitantes. Tem dedicado muito tempo dos últimos anos ao projeto. Trabalha há mais de quarenta anos como professora, está cansada e desiludida com o ensino, não compreende por que razão a segurança social demora tanto tempo a conceder-lhe a reforma. Já enviou vários pedidos ao Ministério da Educação, todos sem resposta, “Cada ano que passa torna-se mais desgastante, já não tenho energia, vontade e saúde para aguentar a pressão.” Nasceu em Couto de Esteves e, tal como a maioria dos conterrâneos, teve de sair. Estudou, tirou um curso, tornou-se professora, trabalhou e fez a vida noutro local. Agora, que está quase reformada, regressa às origens para se "reencontrar" e "carregar energias", como outros que foram para as cidades do litoral ou emigraram e só regressaram definitivamente depois de aposentados, ocupando o tempo restaurando espaços antigos, valorizando o património, participando na coletividade local.
Chegamos a um espigueiro com uma
vista soberba sobre o vale do Vouga. “Gosto deste sossego e
tranquilidade", diz-nos. Enchemos os pulmões com o ar fresco da manhã. Durante a pandemia fez
muitas caminhadas pelos trilhos circundantes. Há três sinalizados de pequena rota que começam em Couto de Esteves: o trilho dos
Amiais, o da Agualva e o da Pedra Moura, que foi o que decidimos fazer por
sugestão dela, o seu preferido.
Seguimos por uma levada seca ao
longo do rio Gresso, que corria bucólico lá no fundo entre rochedos cobertos de
musgo, formando pequenos rápidos e cascatas. "Havia muitas trutas quando era miúda". A vegetação é constituída por choupos e amieiros
despidos, disfarçando a grande quantidade de eucaliptos que se encontram nas
encostas mais altas. Ainda existem recantos idílicos, pastagens, vestígios de
socalcos cobertos de erva alta, construídos com muros de granito que descem as
encostas. Leiras cultivadas com pencas e
batatais. Na lama há pistas de javalis que de noite se aproximam da aldeia para
comer raízes e frutos. Três agricultores queimam mato formando uma nuvem de
fumo. Noutra época do ano seria assustador, hoje não, choveu nos dias anteriores,
há humidade na terra. Folhas apodrecidas de bordo-bastardo cobrem a levada por
onde caminhamos, em vez da água que devia levar.
As alminhas e cruzes de granito
são uma constante, sinalizando os caminhos que ligavam as igrejas e o cemitério,
atestando a religiosidade e a devoção das pessoas desde há muitos séculos, que
raras vezes saiam da aldeia, a não ser em momentos muitos especiais. Comunidades
que viviam isoladas e autosuficientes, celebrando ciclicamente os rituais
cristãos, entre a vida e a morte de cada um.
Despedimo-nos da Armanda que regressou sozinha a Couto de Cima, tinha outros compromissos e visitas para o Almoço. Continuamos por uma subida ingreme até à aldeia de Catives. Assentámos arraial nas lajes de granito de uma eira entre dois espigueiros, ambos com mais de cem anos: 1896 e 1905 – data de construção gravada no capitel. “Aqui os espigueiros chamam-se canastros”, disse-nos uma senhora com quem nos cruzamos. Depois do lanche seguimos em direção à anta da Cerqueira ou Pedra Moura, que dá o nome ao percurso, ladeados de eucaliptos, por um trilho ascendente de terra até alcançarmos a estrada municipal. Caminhamos despreocupados dos veículos, que raramente passavam por nós, debaixo de um sol radioso, respirando o ar puro da serra. Avistamos a anta entre pinheiros-bravos, bem sinalizada e de fácil acesso pela EM 569. Mais um momento de paragem para algumas fotografias e conversa.
O monumento megalítico tem 5000 anos, comprovando que a região é habitada pelo menos desde essa época. É um local funerário, no qual se colocavam os mortos em posição fetal ou dentro de um vaso bojudo que simbolizava o útero. A morte era considerada uma transição para a nova vida. As antas também se chamam "mamoas" porque eram cobertas com terra, formando monticulos que lembravam uma "mama". Entrei pela antecâmara agachando-me para não bater com a cabeça, as lajes de granito estão sobrepostas formando uma abertura estreita e baixa. Apenas dentro da câmara tumular se consegue estar de pé. Imagino que antigamente, já no período cristão, as pessoas tinham tendência para efabular, criar histórias e mitos associados a estes locais, cuja origem era misteriosa para elas. Existem muitas lendas de mouras encantadas em Portugal. Esta "Pedra da Moura" seria mais uma.
Dali seguimos
por Cerqueira em direção ao início do percurso em Couto de Esteves, num trajeto descendente por estrada alcatroada e por fim, novamente, em trilhos
rurais ladeados de muros de granito, pequenos tanques de armazenamento de água,
bicas secas, quintais e árvores de fruto. Fomos
dizer adeus à Armanda, combinando que regressaríamos para fazer os restantes
trilhos.
Almoçamos bem no restaurante “O Cortiço”,
no centro de Sever do Vouga, e depois ainda fizemos uma pequena caminhada pela
ecopista do Vouga, entre o apeadeiro desativado de Paradela e a ponte de
Santiago. Cruzámo-nos com pessoas de todas as idades que, como nós,
aproveitaram o bom tempo para fazer tranquilamente mais uns quilómetros a pé –
o desnível é irrelevante.
Canastro em Catives |
Anta da Cerqueira |
Couto de Esteves |
Ecopista do Vouga |
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