Peña de Francia |
O nosso trilho começou na estrada
alcatroada de acesso ao santuário, onde a camioneta nos deixou. Partimos
de madrugada de Braga, Porto e Mangualde, locais em que foi parando e recolhendo os caminheiros para este
fim de semana de muitas expetativas, com duas caminhadas: uma na Peña de Francia e outra no Vale de Batuecas.
Metemo-nos pelo trilho íngreme de terra e fizemos três quilómetros sempre
a subir até ao maciço rochoso da Peña de Francia, imponente
lá no alto. Dos miradouros víamos a paisagem em redor, a meseta Ibérica e o maciço
montanhoso da serra de Bejar, que a atravessa
nesta região de Espanha. Caminhamos entre
pinheiros mansos, só as nossas conversas pontuais interrompiam a silêncio da serra. O
momento era de adaptação ao início do trilho e de encantamento com o que estava
à nossa volta. Como em poucas horas tudo
muda: a paisagem, a língua, a cultura, as pessoas com quem conversamos. Dois
grifos planam sobre nós, as pinhas e as agulhas dos pinheiros estão caídas no
solo, algumas rochas soltas obrigam-nos a ter cuidado e a ver onde pousamos os
pés.
A caminhada continua e vamos
metendo conversa uns com os outros: alguns caminheiros são habituais nestas saídas da Borealis e já se conhecem, outros é a primeira vez, como é o meu
caso. Vão-se tirando algumas fotografias. Peço para me fotografarem com o fundo
da vasta planície: um sorriso, uma de perfil, outra em cima da rocha.
No santuário, o Pedro, um dos guias, explica a história do local.
A lenda conta que o santuário foi
construído no local onde um pastor teve a visão da Virgem Negra, numa pequena gruta a que
se chega, descendo por um túnel apertado e de teto baixo, inclinando o corpo
para não bater com a cabeça nas paredes. Claustrofóbico e despojado, apenas com
uma simples estatueta da virgem, muito diferente de outros locais de culto mais
ostensivos, como Fátima. É o santuário
mariano situado a maior altitude no planeta, acima dos 1700 metros.
O topónimo Francia, muito comum na
província de Salamanca, deriva dos colonos franceses que a vieram ocupar após a
reconquista Cristã no século XI, assim como muitos apelidos que hoje existem na
região.
O relógio de sol foi construído
sobre o rochedo e escavaram-se três túneis com acesso aos miradouros: apesar de grandioso, passa despercebido ao mais
incauto dos turistas, ninguém espera encontrar um relógio com estas dimensões.
Facilmente pode ser confundido com outro
tipo de monumento.
Almoçamos no alpendre do
santuário, abrigados nos muros do vento frio e cortante que fazia, a temperatura devia estar próxima dos zero graus.
Iniciamos a descida de 12 quilómetros até à aldeia de Monsagro, por um trilho de terra e rochas soltas, novamente com muitos pinheiros mansos e pinhas no chão. É nítido o contraste entre as encostas cobertas de vegetação e os cumes despidos. Uma estrada serpenteia a serra numa encosta vazia, dando a ilusão que atravessa o deserto. O ar é puro, o céu cristalino, a visibilidade de muitos quilómetros. Passamos numa carvoeira – um montículo vegetal que ia ardendo lentamente e fazendo carvão. Chegamos ao rio Agadan, afluente do Águeda que desagua em Barca D´Alva e é uma fronteira física entre Portugal e Espanha, no distrito da Guarda. Ao longo da margem, a vegetação muda, torna-se mais densa e cambiam as espécies: os líquenes cobrem os troncos de carrascos e de velhos vidoeiros despidos, ouve-se o rumorejar prazeroso do rio. As águas translúcidas correm pelas rochas, pequenos passadiços de madeira ajudam-nos a atravessá-lo. Paz. Sossego. Tranquilidade. Por fim, uma derradeira subida a exigir um esforço extra para terminar o caminho em Monsagro, onde o autocarro nos aguardava para levar à aldeia de La Alberca, onde pernoitaremos no hotel Doña Teresa. A minha companheira dos últimos quilómetros queixa-se das dificuldade e de como cada metro pode custar a passar quando se está cansado e com dores nas pernas. Digo para a animar que quanto maior o esforço maior a recompensa e o prazer de terminar.
Monsagro é uma aldeia onde não se vê ninguém, contudo tem um museu dedicado aos fósseis de trilobites,
muito comuns na zona. Tão comuns que começaram
a ser usados como decoração nas paredes das casas. Uma excentricidade única.
Regressamos a La Alberca, um pueblo
típico com tradições culturais muito fortes. Tem os trajes tradicionais mais
bonitos de Espanha, um pouco como as nossas Vianesas, mas mais escuros e
pesados, devido ao clima mais frio e agreste, também com ouro a revesti-los. É
tradição leiloar um porco no dia de Santo António, que passeia livremente pela
aldeia e é alimentado por todos até ao Dia de Santo Antão, a 17 de janeiro, dia em que é morto e oferecido às famílias mais pobres. A estátua do marrano é testemunha
desta veneração imemorial pelos suínos. O fabrico de enchidos é uma indústria importante
na região. veem-se imensos porcos a focinhar debaixo dos sobreiros nas propriedades ao
longo das estradas principais.
Jantamos no centro, na Cafeteria/ Restaurante El Encuentro, momento descontraído de convívio. Ouviram-se histórias de aventuras, vividas com humor e saudosismo pela equipa da Borealis e pelos caminheiros que se juntaram a eles em destinos mais ou menos exóticos, que sabem bem recordar.
Icnofósseis de trilobites na parede de uma casa. Monsagro |
La Alberca |
La Alberca |
La Alberca |
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