Porto – Póvoa de Varzim (de metro)
Póvoa de Varzim – Esposende (cerca de 25 Km)
Saio de casa com uma pequena mochila às costas, pretendo ser
discreto e não dar muito nas vistas. Não levo a parafernália habitual do
peregrino: mochilão pesado, vieira, bastão ou cajado, nada disso. Roupa normal,
calças de ganga, casaco impermeável, o necessário para apenas três dias fora de
casa.
Cai uma chuva miudinha, espero pela camioneta que me levará
ao Porto. Na paragem uma senhora queixa-se dos maus horários.
- Estamos muito mal servidos de camionetas, não há quase
nada.
- Sim, mas quase toda a gente anda de carro, não admira que
as camionetas andem vazias, vão à falência e depois não há transporte.
- Anda quase toda a gente de carro porque as camionetas são
caras, desconfortáveis e pouco frequentes.
Na camioneta da AV LOUROSA vão 8 passageiros para o Porto,
mais o motorista. É confortável e foi pontual.
Não comprei a credencial do peregrino na Sé do Porto. Aos Domingos e feriados só a partir das 14.30, na bilheteira de acesso aos claustros. Nos
restantes dias está aberta entre as 9.00 e as 18.00
A caminho da Sé, a passagem na ponte D. Luís e a inevitável fotografia da Ribeira |
Segui para a Póvoa sem a credencial. Em alternativa um pequeno caderno pode servir
para registar os carimbos e comprovar a realização do caminho, muitos
peregrinos que por vários motivos não conseguem adquirir a credencial recorrem
a esta solução.
A linha do metro que segue para a Póvoa de Varzim é a vermelha
(letra B). Entrei na estação da
Trindade: custo 2.80€ - 55 minutos de viagem. Há muitos lugares livres,
sento-me confortavelmente a observar as estações: o bairro das Águas Férreas,
desenhado por Siza Vieira, com as paredes grafitadas; os bairros de Francos,
Ramalde, a fábrica de café da SOTOCAL, o Viso, Custóias, Modivas, autoestradas,
linhas férreas, arvoredos de eucaliptos e pinheiros, os Seguranças da PROSEGUR parados
em algumas estações. O ambiente urbano cada vez mais disperso, muita lama da
chuva dos últimos dias na berma das estradas e nos quintais nas traseiras das
casas. A torre da igreja de Azurara, o convento e os claustros de Santa Clara
já em Vila do Conde.
A figura de um homem escanzelado, de costas para a linha a
urinar contra um contentor abandonado, rodeado de lixo. Provavelmente um
toxicodependente, antes da Póvoa.
Na Póvoa de Varzim, passo na praça do Almada, o centro cívico da cidade, com a câmara municipal, o pelourinho e a estátua do seu mais ilustre filho - Eça de Queirós (1845 – 1900). Decorre uma feira de velharias, roupas e livros usados.
A capela de São Roque fica no caminho de Santiago, onde uma placa faz referência “à velha estrada de Viana, sempre à vista do mar pelo “caminho das areias” para Norte até Esposende”. Sigo pela Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, o casino SOLVERDE e a Avenida dos Banhos, com muitos prédios voltados para o mar, restaurantes, snack-bares, hotéis e apartamentos vazios, alugados sazonalmente na época de verão.
Câmara Municipal da Póvoa de Varzim (Praça do Almada) |
Estátua de Eça de Queirós (Praça do Almada) |
Pelourinho (Praça do Almada) |
Capela de São Roque (Póvoa de Varzim) |
Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição |
Av. dos Banhos e a indicação do caminho de Santiago. As tabuletas vão ser frequentes ao longo do caminho, particularmente no início de cada municípo. |
Praia da Póvoa |
Póvoa de Varzim |
Sinto-me enclausurado entre o mar e os prédios à minha direita,
felizmente não há muita gente na rua. O céu está escuro e a ameaçar chuva. Em A-Ver-O-Mar
(acho muita piada a este nome), na padaria Avelino Vaz, peço para encher a
minha garrafa térmica com água quente. Vou fazer os possíveis para não consumir
água engarrafada. Li algures que para produzir uma garrafa de plástico é necessário
consumir uma quantidade de água três vezes superior ao volume da garrafa – um desperdício
de água altamente destrutivo: os milhares de plásticos que ficam por reciclar vão
parar ao oceano, matam os seres vivos que os ingerem e entram na cadeia
alimentar. Provavelmente já todos nós ingerimos microplásticos sem saber.
Sigo pelo passadiço ao longo da costa, ocupada quase sempre
por prédios e vivendas voltadas para o mar. Anseio chegar a uma zona mais
selvagem e isolada.
Aspeto do passadiço depois da Póvoa |
A Rua dos Sargaceiros tem um nome muito apropriado. A apanha
do sargaço foi uma ocupação agrícola – as algas fertilizavam os campos - e um
complemento económico muito importante - eram vendidas para fabricar
medicamentos e cosméticos. São famosos os Sargaceiros da Apúlia, freguesia do
concelho de Esposende onde irei passar mais à frente. A costa rochosa não
permitiu que a pesca se desenvolvesse tanto como noutras zonas, em
contrapartida permitiu a existência de grandes quantidades de sargaço.
Na Aguçadoura, terra de Luandino Vieira, o caminho desvia-se
da costa e sai do passadiço, segue por uma estrada de paralelos rodeada de
estufas e viveiros, protegidos pelas dunas. Marcos de granito com musgo
delimitam os terrenos, há muros com ervas a esfarelar de velhos, regatos estreitos
a correr na direção do mar. A parte mais bonita do percurso. Um painel anuncia o parque de Campismo Rio
Alto da ORBITUR, rodeado de pinheiros e dunas. Tenho que caminhar rápido porque
começa a chover intensamente, apesar do guarda-chuva, a chuva bate por trás e
fico com a parte de baixo das calças molhadas. Chego à famosa terra dos sargaceiros,
a Apúlia, onde o campo de futebol tem, justamente, este nome. O caminho é em
paralelos, ao lado de terrenos arenosos com arvoredos de pinheiros mansos,
carvalhos e mimosas com uma bonita flor amarela nesta altura do ano,
infelizmente uma invasora terrível.
No meio do pinhal começo a ouvir o eco distante de uma
multidão, apercebo-me mais à frente que é um jogo de futebol a decorrer no
Centro Desportivo Clube de Fão.
Fão é uma bonita vila. Cartazes na rua com a frase: “Fão diz
Não”, indiciam descontentamento popular. Trata-se de uma luta contra a extinção
da freguesia, um resquício da austeridade da Troika.
Largo do Bom Jesus (Fão) |
O Rio Cávado em Fão |
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Ponte D. Luís Filipe. Construída em 1892, sobre o rio Cávado. Ponte metálica assente em colunas de granito. |
Fico alojado em Esposende no Hostel Eleven (11). Tem um
aspeto impecável, é limpo e cheira a novo. O jovem Rececionista, João, é muito
simpático, dá-me todas as informações necessárias. Na minha camarata, com 8
camas em quatro beliches, dormirei apenas eu e um outro hóspede Português.
O preço do Hostel para peregrinos é de 10€ /noite em
camarata e casa de banho comum, com mais 2,5€ para o pequeno almoço. Fiquei com
uma impressão muito positiva do albergue, dirigido pelo senhor Vítor e pela
muito simpática e prestável esposa, a Dona Carla, com quem conversei ao pequeno
almoço. No verão é frequente estar lotado e por esse motivo vai ser aumentado.
Estão à procura de mais um funcionário, receberam até ao momento cerca de 30
currículos.
Janto no restaurante Adega Regional do Cuquinho uns metros mais
acima do Hosteleleven. Tem menu do peregrino, preço de Domingo: 10€
Cadeiras e mesas redondas de madeira com toalha vermelha em
cima, lareira acesa no meio da sala, aspeto rústico. Cinco Homens bem dispostos à volta da mesa,
mais um casal na outra e eu, sozinho, numa outra. Várias garrafas de vinho tinto e uma de aguardente
abertas na mesa dos homens. Falam alto, contam brejeirices, dizem palavrões - ou
não estivéssemos no Norte, carago! – De repente, o dono do restaurante, o sr.
Azevedo, diz-me:
- Não ligue, isto aqui é tudo boa gente – aponta para um
deles – olhe, este aqui é padre. – Os outros riem.
O padre levanta-se, amarrota o guardanapo de papel na mão e
atira-o à cara do Sr. Azevedo. O Sr. Azevedo ri. Um dos clientes, o Sr. Cunha, conta
uma anedota picante sobre padres, com muitos palavrões pelo meio. O Sr. Azevedo
conta outra. Depois, sabendo que sou peregrino, mostra-me o livro de visitas.
Tem dedicatórias de peregrinos da Namíbia, Rússia (Moscovo), Coreia do sul,
Estados Unidos.
No regresso ao Hostel encontro Íris na cozinha, oferece-me cerveja
belga. Está muito contente por encontrar cerveja do seu país no armário. É agente turística, anda pelo Norte de Portugal
a conhecer sítios para criar circuitos e vender a clientes de outros países. Quer
fazer trilhos no Gerês.
- O que é que Portugal tem para oferecer que os outros
países não têm? – pergunto.
- Depende do país. Para os Belgas da Flandres ou os
Holandeses, onde tudo é plano, Portugal tem montanhas. Mais praia, sol, surf.
O dia não lhe correu muito bem por causa da chuva, que a
impediu de visitar alguns locais. Viveu no Botswana e na Costa Rica, estava
farta da Bélgica e da sua anterior profissão de agente de seguros. Mudou
radicalmente para “ser mais feliz”. Viajou pela América do Sul de mochila às
costas, onde considera que as pessoas são mais felizes, apesar de terem poucos
bens materiais. A felicidade é
inversamente proporcional à posse de bens. Na Bélgica, casais amigos andavam
descontentes por não terem a cozinha que queriam: “É estúpido, não faz sentido!”.
Digo-lhe que nós os portugueses, apesar de latinos e
culturalmente estarmos mais próximos dos sul americanos do que dos Belgas e
Holandeses, somos bastante materialistas e gostamos muito de dinheiro.
Pergunta-me o que é que eu mais gostaria de fazer, respondo:
- gostava de ter muito dinheiro para não ter que trabalhar.
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