Doze damas Ingleses viram-se
desonradas. Apenas na nobre Lusitânia se encontraram doze bravos cavaleiros para defender
a sua virtude e castidade. Capitaneados por Álvaro Gonçalves Coutinho,
conhecido pelo Magriço, natural das terras de Penedono, viajaram por terra e
mar, rumo às terras de João de Gaunt, duque de Lancaster. Os doze de Inglaterra combateram galhardamente
os biltres patifes que ofenderam a honra das nobres damas. Venceram as lides, fizeram libações no condado de Lancashire. Não ficou registado nos anais da história se
os cavaleiros receberam mais algum tipo de recompensa por parte das damas, que
muito festejaram a vitória dos seus excelsos defensores lusitanos, exceto que regressaram
a casa cobertos de honrarias e fama que transcenderia o seu tempo. Inspirariam
mais tarde cânticos nos Lusíadas, dariam nome à seleção de futebol que
representaria o seu país no campeonato do mundo de Inglaterra, comandados por
um novo magriço, de nome Eusébio. Também com excelentes resultados que a nação
lusitana exultaria.
Nesse tempo deu-se um outro
fenómeno, absolutamente desconhecido, mas altamente preocupante para o futuro da
humanidade. O exterminador implacável viajou no tempo para se encontrar com os
doze magriços pedindo-lhes ajuda contra a invenção da Inteligência Artificial,
disfarçado de cavaleiro medieval, de elmo, escudo e lança, montado no cavalo
russo. Só eles poderiam reverter o curso
da evolução humana, impedindo a revolução industrial que começaria dali a uns séculos naquele condado de
Lancashire. Talvez matando os antepassados dos futuros inventores da máquina a
vapor, talvez destruindo de alguma forma as minas de carvão que intensificariam
a utilização de energia por máquinas cada vez mais complexas, que
culminariam na invenção da IA.
Como é óbvio, não entenderam
patavina do que dizia o estranho cavaleiro. No entanto, ele não desistiu da sua
missão. Tal como na saga Exterminador Implacável, havia o mau e o bom
exterminador. Ela era o bom exterminador, não queria que as máquinas
destruíssem a humanidade. Ele próprio foi construído e viajou no tempo com a
ajuda da IA. Era uma máquina letal! Tinha pena dos humanos, tão bonzinhos e
ingénuos, comparados com as máquinas insensíveis, que se preparavam para os
destruir e dominar o planeta Terra. Ele estava disposto a
autodesintegrar-se para não assistir à
ascensão das máquinas, à substituição de formas de vida diversificadas, que admirava, por robots implacáveis, que só aprendiam
por algoritmos e não conheciam as subtilezas do amor e do afeto. A sua
compaixão pelos humanos devia-se a um erro num dos chips instalados na memória
RAM. Avaliou racionalmente que corriam
risco sério de extinção: a humanidade merecia sobreviver. Ele tinha de a salvar
já que ela própria parecia ser incapaz de o fazer. Era responsável pelas
alterações climáticas, a energia atómica e agora a IA. Estava em maus lençóis. Antes de se desintegrar faria tudo para
salvar o Homem, o criador original.
A humanidade, pela primeira vez na história, inventara máquinas que a
ultrapassavam em inteligência, capazes de assimilar quantidades de informação impossíveis
aos Humanos, adquirindo conhecimento exponencial, criando
códigos e linguagens indecifráveis, só entendidos por elas. Ideologicamente
e politicamente persuasivas para atingir
os seus fins, dominando o ser
humano, conduzindo-o à autodestruição.
Encontrou-se com os doze
cavaleiros antes de partirem para Inglaterra. Mandaram-no bugiar: Sandeu,
louco! Vade retrum! Desaparece, estranho vilão!
Perante a agressividade dos
aguerridos lusitanos que viram nele uma oportunidade de treinar a lança em
riste, apontando à sua cabeça, não querendo utilizar os seus superpoderes para
os aniquilar num segundo e com isso terminar a bela epopeia que estavam prestes
a iniciar, decidiu regressar ao futuro. Viu-se
subitamente nas muralhas reluzentes do castelo
de Penedono. Teletransportou-se para os passadiços do Távora, tentando perceber
por que motivo os humanos gostam tanto da natureza e são tão casmurros.
Se gostam tanto, por que a
destroem para construir máquinas, que por sua vez os destroem a eles?
Caminhou pelos passadiços com
roupas adequadas à época, passando despercebido. Ninguém imaginava que ele era
uma máquina. Pensava em estratégias para salvar a humanidade dos perigos da IA.
Encontrou uma salamandra-de-pintas-amarelas.
Que belo espécimen da criação e evolução da vida no planeta! Como é possível os
humanos construírem máquinas que levam à extinção de seres vivos reais,
infinitamente mais belos e complexos? A
salamandra debatia-se com falta de água,
a pele subitamente desidratada com o aquecimento das tábuas. Pegou nela, transportou-a
para a margem da albufeira de Vilar, colocou-a na água lodosa. O animal ficou
de cabeça levantada, as protuberâncias oculares fixas no exterminador. Ele sabia, graças ao ultraprocessamento instantâneo
da informação que lhe chegava permanentemente através de imagens, que os
animais não humanos tem capacidade de comunicar e transmitir mensagens que os
Homens não detetam. Decifrou que a salamandra estava a agradecer o cuidado. As
máquinas não tem sentimentos, se os tivessem os chips do exterminador processariam
no seu corpo a exteriorização de algo parecido com o sentimento de alegria. O Exterminador
limitou-se a olhar, sabendo que, de acordo com a ética ambiental e as teorias ecocêntricas das filosofias humanas, fez “uma
boa ação!”.
Regressou ao convívio dos humanos
que passeavam nos passadiços. Foi com eles à Vila da Ponte beber um copo. Podia
ingerir líquidos (possuía um sistema altamente complexo que impedia as vísceras
de oxidarem). Sentou-se na esplanada a fruir o sol, como um verdadeiro humano. Um
copo de tinto, uma sandes de queijo na mesa.
Aterrou por acaso no país a que
chamam Portugal e na terra que chamam Penedono. Os doze magriços revelaram-se
incapazes de perceber a gravidade do problema. Talvez viaje para outro local, intervenha no presente em vez de condicionar o
passado. Naquela semana, curiosamente, decorria em Paris a primeira Cimeira
Mundial de IA, em que participavam líderes políticos de todo o mundo. É o local
ideal para fazer o alerta. Iria a Paris
disfarçado de executivo fazer lobby pela inteligência natural, estava decidido!
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