A mitologia do império Romano adaptada
a Nova Iorque. Francis Ford Copola
transforma a cidade numa “Nova Roma”, viciosa e depravada cuja
decadência a coloca no limiar do princípio da anarquia. Analogia com o estado da política americana e do mundo. Projeto obsessivo que o realizador guardava há
muitos anos, interrompido no início do século devido aos ataques ao World Trade Center. Algo que seria muito
difícil de aceitar - uma das cenas do filme é a visualização dos céus de Nova Roma em chamas. Seriam imagens
terrivelmente coincidentes com o maior ataque de sempre a Nova Iorque. Não era
o momento certo para o concretizar.
A distância de vinte e dois anos da manhã que abalou o mundo no
dia 11 de setembro de 2001 permite o distanciamento e a frieza necessária, e talvez a aceitação política sem chocar a
cidade e os nova iorquinos, apresentando um filme assaz polémico e próximo das eleições nos Estados Unidos. Algumas características das suas piores personagens parecem
encarnar num dos candidatos –
propositadamente caracterizadas com esse
intuito?
O realizador investiu toda a sua
criatividade, genialidade e cultura clássica na realização do filme. Citações
de Shakespeare e Marco Aurélio, adereços que podiam ser de palácios romanos,
vestais convertidas em estrelas POP, o circo romano em sociedade do espetáculo.
Obra prima megalómana que o
realizador pretendeu deixar à posteridade - O seu último filme? - Megalópolis megalómana, legado esteticamente poderoso de uma fábula
política dos Estados Unidos. Os impérios
desfazem-se por dentro, não são os inimigos externos os mais perigosos, são os
internos. Há algo assim, de subliminar, permanentemente transmitido. Do risco
de destruição autofágica.
No filme, os grandes responsáveis
pelas decisões políticas são banqueiros,
mayors e assessores intriguistas,
sedentos de glória. O povo não passa de ator
secundário, manipulado, sem qualquer poder. O mundo utópico de Megalopolis chega
pelo talento de um visionário genial, altruísta,
com
dilemas morais e fantasmas do passado a assombrá-lo. Lembra o “Joker”, o
primeiro de Joaquim Phoenix, na dinâmica das turbas impensantes e furiosas arrastadas
pelos discursos dos lideres populistas e de heróis de ocasião. A história constrói-se
pela persuasão dos grandes líderes.
FFC faz parte do sistema de Hollywood, do seu glamour, e como tal habituou-se o ver o mundo “de cima”, desconhecendo a realidade
das dinâmicas sociais. E aqui o filme torna-se num produto típico incapaz de
disfarçar a sua origem, não é defeito,
mas o realizador não consegue ir além do pedigree. Apesar da indiscutível originalidade,
continua a ser mainstream. Made in Hollywood.
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