segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Proibido a Cães e a Italianos

Ugharetta podia ser uma aldeola perdida de Portugal, das muitas que temos abandonadas nas serras. Restos de muros e telhados de xisto, invadidos pelas silvas. Há muito tempo atrás habitadas por  famílias numerosas partilhando  quartos exíguos,  sem condições materiais.

Essas pessoas trabalhavam nos campos, tinham uma vida difícil, passavam por invernos rigorosos, com pouca comida para  muitas bocas. Dominadas pelo poder da igreja e do estado, temerosas e supersticiosas. Quando  saiam para longe levavam de recordação um pequeno saco de terra, a sua maior riqueza  –  terra que lhes dava o sustento  de plantas e animais.   

Tal como os nossos antepassados que no século XIX emigraram para o Brasil em períodos de carístia, nessa aldeia do Norte de Itália os homens iam para as obras na Suíça e na França construir estradas e túneis que atravessavam os Alpes, escavando e dinamitando rochedos intransponíveis. Assim passavam períodos de tempo após os quais regressavam  novamente à aldeia.

Não tinham qualquer  poder de decisão sobre o seu futuro.  Eram carne para canhão, chamados para as guerras do império que o seu país quis construir em África, tal como os nossos “serranos” mandado para o norte de Moçambique e  Flandres na primeira guerra mundial combater  Alemães, morrendo como moscas, vendo os companheiros aniquilados sem saber porquê. Apenas porque os mandaram cumprir os desígnios da nação.

Os italianos eram considerados bons trabalhadores, obedientes, despolitizados. Gostavam deles. Um pouco como os portugueses em muitas outras partes.

Há muitos pontos de contacto entre os países e histórias comuns de milhares de aldeãos que viveram situações semelhantes em locais e países distantes.

O filme conta a  historia do avô Italiano do autor, Alain Ughetto, e de como construiu uma vida melhor noutro país, a França – le paradis.

O autor cresceu na prosperidade  do pós-guerra, em que termina de contar  a história, fazendo a ligação com o passado.

Filme animado com bonecos de plasticina, cartão e objetos do quotidiano, dando um efeito ternurento e sentimental aos seus  antepassados,  às vicissitudes e tragédias várias que viveram,  tornando-o comovente e uma agradável sessão de cinema.

sábado, 5 de outubro de 2024

Eo



Filme muito interessante do mestre Polaco Skolimovsky. Alguém que, de cima dos seus 84 anos, não se inibe de continuar a explorar possibilidades narrativas e novos caminhos no cinema. 
Através da viagem do burro perdido, Eo, o realizador mostra uma sociedade curiosa, de acontecimentos absurdos, colocando o espetador na perspetiva do animal, confrontando-o com as contradições e perplexidades do comportamento humano.
O animal, considerado irracional, faz refletir sobre a suposta racionalidade dos humanos.
Travessia por algumas cidades e paisagens europeias, construindo histórias com eventos verídicos que ocorrem todos os dias, usando ironia e humor. Pelo caminho o realizador parodia futebol, política, discursos vazios.
Não sei se era essa a intenção inicial, não faço ideia se o realizador é vegetariano, se acérrimo defensor dos direitos animais, o filme acaba por se tornar numa apologia ao respeito pelos animais, sendo uma parábola do comportamento humano e a sua postura no mundo. O filme pode ser lido de muitas formas.