sábado, 22 de junho de 2024

A Rota das Cegonhas

O idoso sozinho sobre a ponte do rio Cértima, na estrada que liga Murta a Oliveira do Bairro. O que faz ali observando  a translucidez da água, o fundo arenoso do leito baixo, as cegonhas voando rasantes aos arrozais irrigados pelas águas do rio?

Esporadicamente passa um  carro na estrada estreita e alcatroada, interrompendo a quietude do local.

Entretém-se a ver as enguias  enfiarem-se na areia e os lavagantes de pinças retráteis em riste, em autodefesa.

Fala dos arrozais. Cada lote é explorado por uma empresa diferente, cultivados com tratores que semeiam e mondam mecanicamente. O painel mais à frente informa  que a cultura foi introduzida na península  ibérica pelos muçulmanos no século XII.

Um bando de minúsculos  bicos-de-lacre pressente  a nossa aproximação e subitamente levanta voo dos arbustos.

O trajeto circular de 6,9 km desvia-se  da estrada municipal,  decorre quase sempre  em  estradões planos, de terra  batida, ao longo das margens do Cértima, por terrenos alagados, pejados de tabuas e caniços. Na aproximação à igreja da Murta, onde começa e termina, voltam a aparecer casas dispersas com quintais, terrenos agrícolas e matas abandonadas.  Bem delimitado, sinalizado, com sombra q.b. e painéis  interpretativos em alguns pontos. Fácil, bonito e agradável. 

O Link do percurso está aqui: PR1– OLB (Rota das Cegonhas)

Próximo de Oliveira do Bairro fica o restaurante Pompeu dos Frangos, já escrevi sobre ele neste BLOG. Excelente local para comer. A especialidade é o “Arroz de miúdos”, prato antigo que mantém o sabor tradicional e caseiro. Provei a sobremesa de “Arroz doce do Baixo Mondego”, achei uma forma interessante de valorizar a cultura local colocando no nome do prato a origem do produto.









Tabuas. 




Sobremesa de “Arroz doce do Baixo Mondego”

Bicos-de-lacre, Wikipedia

sábado, 15 de junho de 2024

River Trekking no Bestança

 


O Bestança nasce na serra de Montemuro, a 1220 metros de altitude. Corre rumoroso entre desfiladeiros apertados, rochas de xisto e uma vegetação magnífica, luxuriante, em direção ao Douro. 13 Km, apenas. De deslumbramento.

O ponto de encontro é a praça Velasquez, encontro habitual de grupos de caminheiros e excursionistas diversos aos sábados de manhã. Os participantes no river trekking da Wildest conhecem-se de anteriores passeios, tratam-se por tu e você. Pessoas habituadas a este tipo de saídas, com poder de compra. “Andei de  balão na Califórnia”, “Inscrevi duas amigas na viagem à Lapónia.” A conversa segue animada entre reformados e outros ansiando pela reforma, contando os feriados e as pontes para se inscreverem no maior número possível de saídas da agência. “A partir de Setembro, só temos o 1 de Novembro a uma sexta-feira. Os outros feriados calham ao fim-de-semana", diz uma professora farta de dar aulas. Na carrinha de 9 lugares apenas um passageiro segue calado, vai encostado à porta, reservado. Foi o único que se manteve em silêncio, à margem dos restantes caminheiros, enquanto aguardavam a chegada do transporte.

Paragem em Marco de Canaveses para o café da manhã. Decorre a feira concorrida no parque da cidade.  Vendedores com os artigos expostos na relva da berma da estrada, de aspeto improvisado. Idosos  e emigrantes chegados de França vestidos com a sua melhor roupa, ciclistas e motoqueiros de fim-de-semana, clientes a entrar e a sair do café. Homens de pele tisnada pelas muitas horas de trabalho em contacto com o sol inclemente nas obras e no campo. O camião debita música alta dos  Coldplay, circula na  avenida a fazer publicidade no painel eletrónico  à  oculista da terra.  Rebuliço.  

A estrada sinuosa, alcatroada,  passa perto de Baião. Segue através de colinas verdejantes de vinhedos, matas e socalcos que descem até ao Rio Douro, por casas e aldeias de xisto dispersas ao longo do trajeto. Vivendas imponentes abandonadas. Hoteis. A linha do Douro.  Portugal.

Chegamos a Ferreiros de Tendais. Mudamos de roupa, vestimos calção de banho,  calçamos os botins de água. Levamos uma pequena mochila às costas. O resto do material fica numa das carrinhas. Descemos por caminhos rurais, ao lado de casas rústicas de granito,  quintais, arvoredo frondoso, evitando as caganitas  de cabra nas pedras da calçada. Finalmente o rio Bestança.  A água límpida corre  entre as gargantas apertadas, sobre rochedos escorregadios alisados pela corrente e fendas xistosas. Loureiros selvagens emanam das folhas rasgadas um intenso cheiro aromático, sem comparação com o comprado nas lojas. Natureza esplendorosa, generosa. Caminhamos com a água pela cintura, contornando rochas, colocando as mãos nas pedras para não escorregar, com cuidado, devagar.  O Inácio amarra a corda ao tronco do amieiro para ajudar os caminhantes nas passagens mais íngremes. Sinto-me um Tarzan, balouçando-me, dando lanço com as pernas contra o penhasco.  Cruzamos moinhos abandonados, cobertos de musgo e fetos nas telhas partidas, sem portas e janelas.

O grupo senta-se na levada, repousa  as pernas dentro da água fria. Apetece mergulhar na poça translúcida. O Inácio diz que  no fim do percurso há uma praia fluvial com cascata para tomar banho.  

Mulheres maduras tiram selfies, posam em cima das rochas com lagoas  por trás, colocam os dedos em forma de V deitado, sorriem para a câmara e fazem beicinho com os lábios, como adolescentes. Eu também tiro muitas fotografias, não me canso de tirar, as panorâmicas são sempre surpreendentes. Até que me farto. Pareço os miúdos sempre a tirar fotografias, sem apreciar a paisagem, viciados em imagens digitais.  A partir de agora vou tentar apreciar a realidade, imbuir-me na natureza, no seu espírito, esquecer o vício de pegar no telemóvel  por tudo e por nada.

Chegamos ao fim, à praia fluvial de Pias. O acesso ao rio por uma das margens está vedado por um particular e na outra margem o parque de lazer não tem acesso direto à água. Desce-se por uma escada, contornam-se rochas e o caminho para a cascata está cheio de ervas altas.  Não é fácil mergulhar, o único senão deste trajeto esplendoroso.

O grupo reúne-se na esplanada do Snack-bar “Refúgio do Bestança”. O Homem calado senta-se na mesa ao lado a beber um fino, meto conversa com ele. Diz-me: Não conheço mais nenhum sítio assim. Venho muitas vezes, já fiz a caminhada desde a nascente. Gosto de ficar em silêncio a apreciar a paisagem, sento-me  debaixo da vegetação nas rochas do rio, molhando os pés, dando mergulhos quando há mais água. O Bestança varia com a época do ano e a hora, cada dia é diferente. As neblinas dão-lhe um ar encantado, parece um conto de fadas, misterioso. Por vezes, venho sozinho, de camioneta e à boleia, não conduzo e não gosto de grupos grandes. Estar em contacto com a natureza, sair de casa, é uma necessidade imperiosa para mim.

O Homem, que ao início da manhã parecia rude e  pouco sociável, revelou-se uma pessoa bastante delicada. Como as impressões iniciais e o aspeto enganam.





















sábado, 1 de junho de 2024

Ensemble Resonet (no mosteiro de Grijó)

Programa do 30.º FIMGPrograma do 30.º FIMG


O alaudista Fernando Reyes, fundador do Ensemble Resonet, apresenta a  origem, contexto musical e histórico dos temas tocados. O nome do apóstolo nas  diversas línguas europeias, Giacomo, Jaques, James, Tiago,  deriva da raiz comum: Xaco, Jaco, Yago, originando o termo “Chaconas”: as Cantigas de Santiago.

Levadas pelos peregrinos aos respetivos países, adquiriram caráter sagrado e litúrgico. Representadas em  cerimónias religiosas e profanas, improvisadas nos convívios e celebrações espontâneas dos peregrinos que se encontravam no caminho. Tematicamente diversas, o Ensemble agrupou-as em cinco séries: A Canção do Bom Camiño; A Canção da Boa Vida; A Canção do Amor e da Morte; A Canção do Paraíso; A Canção de Santiago.

Grandes compositores europeus do  renascimento compuseram  Chaconas, baseando-se nos seus ritmos e melodias características.  Ouviram-se temas de Cláudio Monteverdi e de outros autores menos famosos. Destaco a Canção do Amor e da Morte, da autoria de Robert de Visée, 1699, cantada na língua original, o Francês,  pela soprano Mercedes Hernandéz. Entendi partes da letra: falava do amor absoluto e incondicional, de paixões trágicas  marcadas pela morte. Foi o momento mais arrebatador. Pesquisei no Youtube e o mais parecido que encontrei foi este instrumental.  Não me atrevi a fazer a gravação durante o concerto.

Concerto de abertura do 30.º Festival Internacional de Música de Gaia, de entrada gratuita. Realizado no majestoso cenário da nave do mosteiro de Grijó, perante um público que não a encheu. Cerimónia bem diferente das missas habituais realizadas na nave,  elevando a mente e o espírito a níveis próximos do divino, alcançando o que as epístolas não conseguem. 

Fotografias retiradas do Facebook do FIMG (Aqui)