“Valongo é terra de
pessoas supersticiosas”, diz Raquel, a guia na Oficina da Regueifa e do
Biscoito. O centeio ganhava o esporão (Claviceps purpúrea), o fungo
a partir do qual se começou a extrair o psicotrópico LSD. Na idade média era o “pão das bruxas”, provocava
alucinações e comportamentos bizarros, supostamente “fazia voar” quem o ingeria.
Outra curiosidade surpreendente: a farinha é combustível. O atrito do rodízio na pedra podia faíscar e provocar uma grande explosão, havendo muita farinha no ar. Gravava-se uma cruz na parede “para
o diabo não entrar lá dentro”. Acreditava-se assim que o moinho nunca explodiria.
Fomos circulando pela oficina ouvindo a cativante Raquel e as
suas histórias. No último piso estão expostos todos os tipos de biscoito fabricados
na cidade: “estão aqui há dois anos e ainda não ganharam bolor”, diz-nos. Os biscoitos eram desidratados e cozidos “duas
vezes” (Bis – Coito?), não tinham sabor, aguentavam muito tempo, eram
imprescindíveis nas grandes viagens marítimas. Mais tarde, com o advento das especiarias, os fabricantes começaram a introduzir os diversos sabores que os caracterizam atualmente, indo ao encontro do gosto mais refinado dos comerciantes Ingleses da cidade do Porto, que os acompanhavam com o chá.
Raquel mostra-nos “o percurso do pão” uma linha sinuosa que vai
de Valongo ao Porto pela antiga estrada real, coincidente em parte com a atual
EN 15. As padeiras percorriam descalças 14 km com a jiga na cabeça. Subiam a serra de santa Justa, local isolado
frequentado por assaltantes, atravessavam Baguim do Monte e Rio Tinto – aqui as saias
compridas iludiam os fiscais, escondendo-lhes os pés, caminhando descalças mais alguns quilómetros. No Porto era proibido andar descalço na rua. Vendiam o pão em Mijavelhas (?), Corujeira, Praça de São Bento e Cedofeita.
Vimos o holograma da Dona Teresa, uma das mais idosas padeiras da cidade, durante décadas foi de Valongo ao Porto vender pão. Fala do pai, também padeiro, que ia ao
Porto e à feira dos Carvalhos. Saia de madrugada e regressava na camioneta das sete: “uma vida difícil!”
No pequeno trajeto que fizemos da igreja matriz à capela da
Boa-hora, pela rua Sousa Pinto, os cartazes colocados nas fachadas devolutas com as fotografias dos antigos proprietários relembram as padarias que
ali existiram. Chegaram a funcionar em simultâneo
123 fornos. Em Cedofeita, no Porto, na mesma época, apenas três. Eram comuns os casamentos entre famílias de padeiros: a noiva transferia para o futuro marido os clientes do pai. A nova família recebia assim, como dote,
uma nova carteira de clientes. As mulheres estavam impedidas por lei de serem herdeiras.
Visitamos a exposição Earth to Earth no
Museu e Arquivo Municipal, contando a origem dos principais cemitérios do Porto, cujos jazigos eram construídos com lousa de Valongo.
Terminamos na sede do Parque das Serras do Porto na companhia
do Nelson Branco, nosso guia durante uma parte da visita. Sempre prestável e um valonguense orgulhoso da sua terra. No auditório alertou-nos para o problema da eucaliptização
das serras, referiu o papel que a câmara de Valongo está a ter na mitigação do mesmo, rescindindo contrato com a Navigator e
plantando cerca de 2000 árvores autóctones nos terrenos sob a sua jurisdição. Os restantes
continuam na alçada dos privados, sem dinheiro para proceder à limpeza e plantar
espécies autóctones, sendo mais rentável alugá-los às empresas de celulose que exploram
os eucaliptos e pagam renda. Outro problema na gestão do parque é o conflito de
interesses com os veículos motorizados, que todos os fins de semana atravessam
a serra, adulterando e abrindo novos trilhos, provocando desequilíbrios. Estabeleceu-se
um diálogo interessante entre o José Rio Fernandes e o Nelson Branco analisando
estes conflitos e os novos desafios que, no entanto, surgiram, como a possível colocação
de eólicas nos cumes. A gestão
do parque “é como um puzzle que se vai montando”, concluiu o Nelson Branco.
No fim da visita foi-nos oferecido um simpático lanche
com típicos biscoitos de Valongo, confecionados na padaria
Paupério: lenas de chocolate, fidalgos, milhos e torcidos.
Rua de Sousa Paupério |
Igreja matriz de Valongo, teve como modelo a igreja da Lapa |
Fábrica e loja Paupério |
Palácio de Bernardo Martins da Nova: Museu Municipal e Arquivo Histórico |
Oficina da Regueifa e do Biscoito, praça do Centenário |
Dona Teresa (Holograma), Oficina da regueifa e do Biscoito |
Variedade de biscoitos de Valongo (ORB) |
Sede do Parque das Serras do Porto |
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