Um vizinho da minha avó, já
velhinho e acamado, que eu conheci quando era miúdo, trabalhou na alfandega do Porto
muitos anos, quando funcionava no largo da Sé. Ia e vinha de bicicleta todos os dias. Foi há muitas décadas atrás: deve ter sido por volta dos
anos 40, 50. Contou-me a minha mãe.
O que me parece importante
recordar é que era normal fazer vários quilómetros diários de bicicleta para trabalhar. Havia pessoas que se deslocavam 20 km para o Porto e depois regressavam. As estradas tinham
outras condições, havia poucos carros e seriam mais seguras. Hoje é totalmente
diferente, e se houver alguém que ainda o faça, sem ser por lazer, tem muita
coragem.
Num inquérito realizado à
mobilidade no grande Porto, pelo INE, o automóvel tem um domínio esmagador
sobre os outros meios de transporte, os transportes públicos não convencem e os
modos suaves, a pé ou de bicicleta, tem mais utilizadores do que os transportes
públicos. Este dado surpreendeu-me, visto que não conheço nem vejo ninguém,
onde moro, que se desloque de bicicleta ou a pé para o trabalho.
Decidi recriar parcialmente o
trajeto, seguir a nacional 1 até aos Carvalhos, passar na Rechousa, Canelas, Santo
Ovídeo e entrar no Porto pela Ponte Dom Luís. Demorei quase duas horas na minha
pequena “La Poderosa”, Roda 26, mistura de BTT com roda de passeio e selim de gel, duro. Pouco cómoda: faltam os amortecedores no selim (ajudam a coluna), o
guiador mais subido e próximo do ciclista, para pedalar menos inclinado e, por
fim, dava jeito ter um kit elétrico, para não ter que pedalar no regresso a
casa, já derreado, após 40 km de estrada e com uma subida ingreme no final, depois
de Espinho.
É normal ver, principalmente aos
fins-de-semana e de manhazinha cedo, ciclistas a pedalar no tabuleiro superior
da ponte D. Luís. Eu decidi cumprir à risca a sinalização, desci em direção ao
rio e pedalei pelo tabuleiro inferior.
O Porto estava magnífico. Um homem
novo, apenas de calções que mais pareciam umas cuecas, esteve muito tempo em
cima da grade lateral do tabuleiro a ganhar coragem para mergulhar, muitos
turistas e transeuntes como eu observavam-no na expetativa de ver o mergulho,
até que por fim se atirou ao rio. Uma cena digna do filme Aniki Bobó, do Manuel
de Oliveira. O sol batia nas fachadas medievais da ribeira, muitos barcos,
milhares de pessoas, animação de rua, as encostas ingremes das margens, o cheiro da sardinha assada na rua da
Reboleira. Como é bela esta cidade.
Fui ao Palácio de Cristal à feira
de produtos biológicos. Vi uma parte da atuação
da Mariana Root, eu não conhecia, gostei particularmente da percussão do adufe
e da sua voz a acompanhá-lo, a lembrar a beira baixa, uma força telúrica que mexe
comigo. Assinei a petição “Por um Porto mais ciclável”.
Regressei ao longo do rio e do
mar pela ciclovia até Espinho, um trajeto mais longo mas menos cansativo,
julguei eu. Apanhei o barco no cais da Cantareira, o “Flor do Douro”,
recentemente remodelado, como novo. O outro barco, “Flor do Gás”, está a ser
remodelado. Ambos pertencem à companhia Menino do Douro. Fazem a travessia
entre a Cantareira e a Afurada há mais de quarenta anos, sem qualquer apoio
institucional.
"La Poderosa" no tabuleiro superior da ponte e o aviso para levar a bicicleta à mão |
A descida em direção em rio e os magníficos enquadramentos da cidade |
Rua Nova da Alfândega |
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