domingo, 24 de março de 2013

Caminho Português de Santiago do interior (Ribolhos - Bigorne)

3º Dia: Ribolhos – Vila Pouca – Moura Morta – Mezio – Bigorne (19,7Km)



Não para de chover. O céu está encoberto. Não há café em Ribolhos nem mercearia. Tenho algumas bolachas, uma lata de atum e uma maçã que me poderão ser úteis na caminhada de hoje.

A roupa que lavei ontem à noite está quase seca.

Somos só nós os três no albergue, espalhamos o nosso material na cozinha e fizemos dela uma lavandaria. Estendi um fio que trouxe, coloquei as molas, lavamos alguma roupa na bacia da louça e fizemos o estendal.

A cozinha tem eletrodomésticos mas não tem talheres.

Tomamos o pequeno-almoço com o pouco que temos.

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O caminho atravessa o rio Paiva junto à praia fluvial. Não há nenhuma ponte ou passadiço para o atravessar, apenas poldras. A corrente estava muito forte e em alguns pontos as poldras eram tapadas pela água. É necessário muito cuidado e sangue frio para realizar esta travessia perigosa. Uma escorregadela é suficiente para cairmos à água e sermos arrastados pela corrente.

No meio da travessia comecei a tremer de nervosismo. Um momento com bastante adrenalina que nos entusiasmou depois de estarmos em segurança do outro lado do rio.

Mais à frente tivemos um desafio idêntico, desta vez no rio Paivó. Este rio é mais estreito, com menos corrente e profundidade do que o Paiva.

Um pescador que se encontrava no local disse-nos que mesmo assim era impossível não molhar os pés. Descalçamo-nos, arregaçamos as calças e atamos as sapatilhas na mochila para atravessar o rio.

Em Vila Pouca de Castro Daire tivemos que nos despedir da Natália. Vinha muito fatigada, física e psicologicamente, com as pernas doridas, joelhos inchados, constipada, enregelada, com dores de cabeça e indícios de febre. Paramos num café para comer e ali ficou a nossa amiga a aquecer-se à lareira, com as idosas da aldeia, à espera que a fossem buscar do Porto.

Despedimo-nos com emoção e lamentamos não poder continuar a contar com ela. No entanto aquela era a melhor opção a tomar, o trilho que fizemos a seguir veio a revelar-se muito complicado.

O trajeto é árduo. Não há pontos de apoio entre as localidades. Estas ficam distantes umas das outras e muitas vezes é difícil encontrar pessoas com quem falar. Não há pontos de abastecimento, multibancos, mercearias.

É adequado levar dinheiro e reservas suficientes de comida para alguns dias.

Mas o percurso é maravilhoso. Não cessa de surpreender e deslumbrar. Tem sido incrível caminhar nestas serras, atravessar as aldeias perdidas de granito, austeras e rústicas, por caminhos de terra batida com murinhos de pedra, trilhados apenas por pastores e gado. Caminhos ancestrais, rotas primitivas construídas pelos Romanos e depois aproveitadas pelos peregrinos de Santiago.

O caminho tem sido trilhado quase sempre por este tipo de caminhos e não por asfalto como acontece muito em Espanha e no litoral.

Um deslumbramento. Um país mítico, mágico e misterioso, perdido e envelhecido que se vai descobrindo.

Sentimo-nos uma espécie de pioneiros na divulgação deste caminho. A informação existente é ainda muito pouca e, em alguns casos incorreta, como darei a conhecer mais à frente. Na internet encontrei apenas o site do caminho e nada mais.

Espero que as minhas impressões e fotos o ajudem a divulgar em Portugal e no estrangeiro e que muitas pessoas fiquem com vontade de o realizar, porque até ao momento tem sido bastante “radical” e surpreendente em muitos aspetos.

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O Inverno tem sido chuvoso, muitos trilhos de terra transformaram-se em riachos. Caminhei pela lama, com água pelos tornozelos, molhei as calças até cima, debaixo de muita chuva e nevoeiro. As mãos enregelaram e doeram com o frio. Foi duro. Não é um percurso para qualquer um. Mas o sentimento tem sido de liberdade, purificação e alegria.

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Em Bigorne entramos no primeiro café que apareceu, café Giesta, para descansar e telefonar para o albergue.

- Não há albergue em Bigorne – diz-nos a proprietária do café – o próximo é em Penude, a 11 Km daqui.

- Mas diz aqui neste guia que há albergue em Bigorne.

- Pois, mas a junta de freguesia acabou por não se comprometer com o albergue.

- Então, onde é que podemos ficar? – perguntamos.

A proprietária ofereceu-nos alojamento na casa de familiares. O Vasco e eu dormimos num pequeno quarto, enfiados nos sacos camas e com as mantas da cama por cima. As pessoas da casa foram simples, humildes e generosas por receber dois estranhos.
O Rio Paiva

Os meus companheiros mentalizando-se para a difícil e perigosa travessia do rio

A intrépida Natália

O destemido Vasco

Na travessia do Paivó

O Rio Paivó















A estrada transformada em regato






Uma estrada de água



5 comentários:

Anónimo disse...

Como nao a Cafe em Ribolhos se o meu primo tem um Cafe perto da Padaria deles desde os meados de 90, que fica quase no centro de Ribolhos, para nao falar do Cafe das Bombas situado na Estrada Nacional No 2 ao lado das Bombas de Gasolina e estaçao de serviço, que eu lembro (e eu ja tenho quase 50 anos) ja la estao antes dos Anos 80.

António Almeida disse...

Olá Companheiro Paulo Barros.
Só hoje encontrei o Blog, e o companheiro já fez este caminho em 2013.
Eu adoro este Caminho, a 1ª vez que o fiz foi em Agosto de 2012, e também já nessa altura dormi em Bigorne (Na mesma casa que vocês?). Gostei tanto quer da dureza quer da beleza e por isso repeti-o em Agosto de 2015. Desta vez usei mais um dia para poder usufruir um pouco mais. Simplesmente espectacular.
Mas sinto que ainda me falta encontrar algo, que ainda não conheço bem este caminho e por isso vou lá voltar no próximo mês de Agosto. Porquê Agosto?, é quando tenho férias para o poder fazer.
As dificuldades que descreve em pleno Inverno, são outras que não as minhas em pleno mês de Agosto, pois no seu caso os caminhos são ribeiros, no meu são poeira e sol escaldante, abrasador mesmo, mas dificuldades são isso mesmo "dificuldades" nada que nos impeça de ir em frente, depois de uma jornada dura surge-nos sempre algum tipo de recompensa.
No meu caso, e das duas vezes que fiz Viseu Chaves andei completamente só, por isso as dificuldades e as recompensas ficam sempre bem distribuídas, e tanto umas como as outras foram sempre em grande numero.
Mas estas coisas só entende quem por elas passa.

Quanto ao comentário anterior, das duas vezes que passei em Ribolhos não encontrei nenhum café, mas: não estou a dizer que não existe, também não tive necessidade, encontrei gente genuína, gente muito boa como só se encontra em locais assim por esse nosso Interior isolado e distante.
No próximo mês de Agosto irei procurar esse café, garanto, desde que não fique muito afastado do "Caminho", pois depois de fazer mais de 43 Kms desde Viseu até Ribolhos (foi assim nas duas vezes anteriores) até 100 Mts são uma distancia muito longa.


Um bom caminho

Paulo Barros disse...

Caro António Almeida, obrigado pelo comentário.

Foi simplesmente espetacular realizá-lo debaixo daquelas condições climatéricas, não sei se referi que vi um arco-íris imponente. Foi épico e tenho saudades...
No verão não me cativa tanto, como disse há mais poeira e calor e infelizmente em algumas zonas do país, incêndios.
Mas se o fêz este verão de 2017, talvez me possa dar o feedback de como estão as marcações do caminho e os albergues.
Cumprimentos

António Almeida disse...

Olá companheiro Paulo Barros.
Sim voltei lá este ano em Agosto. E de novo fui de Viseu a Chaves completamente só. O café/padaria em Ribolhos lá estava, mais outro nas bombas junto à N2. Só este ano os vi, pois cheguei lá cedo, não fiz os 43 Kms dos outros anos, fiz no 1º dia Almargem e assim tudo se tornou mais fácil.
Quanto a marcações, o ideal é levar o track no GPS, embora se possa fazer sem ele, mas dá-nos mais confiança, pois se a qualquer momento nos desviamos do trilho por distracção, logo vemos como o recuperar.
Quanto a albergues, o problema continua a ser Lamego, só que piorou. Andei de Ribolhos até à casa retiro de S. José, fiz mais de 39 Kms e em nenhum dos 3 possíveis lugares arranjei dormida. Foi um amigo que me desenrascou. Não me surpreende pois Lamego nunca ligou nada ao facto do caminho por lá passar.
Não sei se irão abrir algum, mas este ano 2017 não tinha. Vila Real em Agosto também não tem, mas esse não faz falta nenhuma, pois fica só a 11 Kms de Santa Marta. O albergue ideal seria em Escariz. Ouvi que pensavam nisso, mas até que o levem à prática?
Assim e para não voltar a fazer 45 Kms até Parada de Aguiar, arranjei um amigo em Vila Real, que me foi buscar precisamente a Escariz, para dormir em sua casa e no dia seguinte às 7h 30m já estava de volta ao caminho. A partir dai tudo foi fácil, excepto os 40 graus em Chaves, fui dormir a Vilarelho da Raia. Em Espanha, não há dificuldade alguma em arranjar albergues. Nem tão pouca nas marcações.
Em 2012 andei 13 dias, em 2015 andei 15 e em 2017 andei 17 dias e foi a melhor opção. Mais tempo para desfrutar do caminho.

Com os incêndios não tive problemas, mas 2 ou 3 horas depois de passar próximo a vila Real o mato começou a arder e ardeu bem.
A poeira nunca me incomodou, o calor sim, mas como só tenho o mês de Agosto para caminhar, aceito-o do mesmo modo que temos que aceitar a chuva no Inverno.

Esta foi a terceira vez que fiz este caminho, mas não será a última.

Bom caminho.
Abraço

Paulo Barros disse...

Muito Obrigado, caro António
Estou a ver que está muito bem impressionado com este caminho, apesar das dificuldades relativas às marcações e falta de albergues, que verifico pelas suas palavras continuam a existir.
Espero um dia continuar de Peso da Régua até Espanha, ou então repetir viseu - peso da Régua. Acho que os municípios locais deviam investir mais neste trilho e dessa forma atrair mais peregrinos ou caminhantes, não me parece que esteja a ser levado muito a sério.

Cumprimentos