Estive fechado em casa muitos
dias seguidos, perdi a conta. Fui ao Porto apenas para visitar
uma pessoa amiga, que precisava de mantimentos. Falei com ela só pela janela e deixei-lhe alguma comida à
porta da casa. No regresso, sem nunca sair do carro, passei na baixa. Senti
um calafrio ao descer a avenida dos aliados: os hotéis, há um mês com pessoas
a entrar e a sair, silenciosos. As gruas,
que recuperavam as fachadas, paradas.
Ninguém. Uma avenida morta. O Porto, sendo uma cidade cinzenta e estando o céu
da mesma cor, mais lúgubre ainda. É por uma boa causa, contudo. É necessário este sacrifício de todos.
Este filme mostra uma parte da
baixa, nesse dia.
Fui à farmácia comprar um frasco
de álcool em gel – 100 ml - e máscaras
P1, descartáveis, que encomendei há três semanas. O frasco custou 7, 5€ e cada
máscara 1,5€. Numa situação normal as máscaras custariam 20 cêntimos cada e o álcool, imagino que não
chegaria a 2€. Grande exploração! Numa situação de crise há gente sem pejo nenhum.
Regresso a pé a casa, não vejo
quase ninguém. Quando vejo alguém ao longe fico mais apreensivo, desvio-me para
o outro lado da rua. Situação muito estranha esta. Parece um filme de ficção
científica: vejo os outros humanos como extra terrestres de quem não me posso
aproximar, como algo muito perigoso, portador
de uma doença e de um vírus que me pode contagiar. Em casa deixo a roupa e o calçado à entrada,
lavo as mãos uma e outra vez.
O outro dia um arrumador que me
conhece pediu-me boleia, eu fingi que não ia para o mesmo sítio, meti-me por
uma estrada diferente para disfarçar. Tive medo de ser contagiado. Ao ponto que isto chegou.
Tento passar a ideia com alguns
gráficos introduzidos por mim, mas nada como ler o artigo original.
O COVID- 19 está a ter um
crescimento exponencial, significando que o número de infetados e de mortos vai
duplicando de x em x dias. Neste dia, 31 de março, o número de infetados em Portugal é de 7540 pessoas, no dia 26 de março eram 3544.
Houve uma duplicação de casos em aproximadamente cinco dias. Fonte (DGS).
A mesma função exponencial existe
no crescimento económico mundial. O gráfico seguinte representa o crescimento
exponencial do PIB em várias regiões do planeta, desde o início do século XIX.
Fonte: (Ourworlindata)
O crescimento das emissões de
gases com efeito de estufa para a atmosfera está associada ao crescimento
económico. O gráfico seguinte representa o crescimento exponencial das emissões
de CO2 .
Observe-se como a curva
ascendente é coincidente com o crescimento económico registado a partir do
início do século XX.
Fonte: (climatepsychology)
Um marco importante da história
ambientalista foi a publicação do relatório - hoje muito esquecido, que deve ser
valorizado e relembrado permanentemente - “The Limits to Growth”, no longínquo ano de 1972, há quase 50 anos.
Desde essa altura que existem dados e estudos que dizem claramente que o
planeta tem limites, que não é possível o crescimento económico sem a depleção de recursos naturais.
A organização Global Footprint Network, mede a pegada ecológica do planeta, comparando
os países do mundo entre si. Verificamos
que a partir da década de 70 do século passado o planeta começou a exceder o
limite de recursos disponíveis, com os países mais economicamente desenvolvidos
no topo dos que têm a maior pegada ecológica.
A capacidade de carga, ou a
capacidade de um determinado ambiente se regenerar por si próprio mantendo os
recursos e a produtividade, é
inversamente proporcional à pegada ecológica: quanto maior a pegada ecológica menor é a
capacidade de carga.
O que se verifica é que o dia em
que o planeta atinge o limite da sua capacidade de carga, que em inglês ficou
conhecido pelo Earth
Overshoot Day, é cada vez mais cedo. Aqui fica bem usar uma expressão
sobejamente conhecida: “pedindo emprestado
às gerações futuras”.
O problema é que um solo maduro pode
demorar 1000 anos a se formar, um trecho de floresta tropical demora cada vez
mais tempo a se regenerar após um incêndio, uma espécie que se extingue já não
pode ser reposta afetando todas as outras dependentes dela. O planeta é cada
vez mais frágil devido à extração desenfreada
de recursos para manter o crescimento económico.
O crescimento económico funciona
numa lógica de Esquema de Ponzi acabando sempre por colapsar. Temos o exemplo
do escândalo Madoff, que rebentou em 2008. O banqueiro criou um esquema
financeiro em pirâmide de Ponzi, prometendo juros excecionais a quem investisse
nas suas ações. De facto os juros eram pagos aos clientes mais antigos com o dinheiro/
investimento dos novos clientes, até que se descobriu que não havia dinheiro
para todos. É matematicamente impossível manter um esquema ou pirâmide de Ponzi
a funcionar.
O mesmo acontece no planeta com
os recursos e com este tipo de economia extrativista e a estrutura social que
ela mantem em funcionamento.
É curioso verificar que em apenas
três semanas de quarentena, a poluição diminuiu imensamente na Europa e na
China.
Traduzo diretamente do artigo o parágrafo
que se segue:
“O COVID-19 alcançou em poucas
semanas resultados que décadas de conferências e tratados intergovernamentais
não conseguiram. O próprio fato do nosso sistema económico não conseguir suspender a
sua atividade frenética por algumas semanas sem entrar em sinais visíveis de
colapso expõe-na pelo que ela é: um vírus planetário mortal. Somos literalmente escolhidos entre a suposta "saúde" de nossa
economia e a nossa própria saúde física, bem como a saúde do planeta que
realmente sustenta nossa vida - e, ironicamente, essa tem sido a escolha real
diante de nós o tempo todo.
O COVID-19 coloca-nos em
contato direto com a lógica viral. Estamos a assistir a uma explosão de infectados. Vemos os Sistemas Nacionais de
Saúde ficarem completamente
sobrecarregados pelo aumento repentino de pacientes. Vemos medidas tardias, mas necessárias, para achatar
a curva exponencial. Mas também assistimos à verdadeira natureza da nossa
sociedade. Vemos como os governos só
suspendem as atividades lucrativas quando têm uma faca apontada ao pescoço.”
O autor é cru e direto: O Covid –
19 expôs a natureza do crescimento económico como a maior fraude alguma vez perpetrada à
humanidade.
Os exemplos abundam de como, apesar de todos os mortos e da necessidade
imperiosa de isolamento, muitos governos mantém a pulsão insana de continuar a
alimentar o monstro do crescimento económico.
O caso mais relevante para nós, Portugueses, são as palavras do ministro da
economia Holandês, que entre uma tragédia no seu próprio país e outra bem maior
em Itália, aborda a questão com uma frieza “absolutamente repugnante” (António
Costa “dixit”).
A questão que coloco para
concluir é:
quando tudo isto passar será que
se voltará ao mesmo modelo económico sofrendo, a grande maioria das pessoas, as amarguras de um crescimento económico que não
se verificou, vivenciando índices elevados de desemprego, cortes salariais,
muitas horas de trabalho mal pagas, para voltar a alimentar o ritmo frenético
de um novo crescimento económico até chegar a próxima crise, alimentando este ciclo que excluí cada vez mais.
Ou será uma oportunidade para
reformular os nossos estilos de vida e este modelo económico e social que destrói
o planeta ????
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