quinta-feira, 29 de março de 2018

Caminho Português da Costa:Viana do Castelo - Vila Praia de Âncora


Estou a ler o livro “Rio de Sangue”, de Tim Butcher, Bertrand Editora. Relata a viagem do autor pela República Democrática do Congo. Cruza-se com homens miseráveis que percorrem a pé centenas de quilómetros para vender petróleo contrabandeado, levado dentro de bidões, carregados em cima de bicicletas num equilíbrio muito instável.   Não levam mochila, apenas a roupa esfarrapada do corpo. Dormem próximo dos trilhos esburacados e enlameados, invadidos pela floresta densa – usam-na para se esconderem dos encontros prováveis com assaltantes, assassinos, polícias corruptos e outros extorsionários. Vão-se alimentando do que a floresta lhes oferece. Arriscam a vida para ganhar alguns Francos ao fim do mês, longe da família e da segurança oferecida pela aldeia e tribo.
É difícil imaginar uma realidade tão diferente da minha. Contudo, é suficiente para entender como sou afortunado em poder caminhar por lazer e não por necessidade de sobrevivência, de ter sítios e estradas seguras, alojamentos frequentes onde ficar, de voltar a casa ao fim de alguns dias apenas, sem ter que fazer o trilho inverso novamente a pé, de ter transportes públicos eficientes e confortáveis.
Retomo o Caminho Português de Santiago da Costa. Não gosto de ir pesado: “quanto menos levarmos maior a liberdade”, li algures e concordo. Uma mochila discreta às costas – podia ser a de um simples passeio pelo Porto - com o mínimo possível e adaptado às condições climatéricas que vou encontrar: chuva e frio. É isso que pretendo, alguma liberdade, conforto, e escapar da rotina diária. Não sou um peregrino tradicional, que se mortifica e sofre para chegar ao destino, no cumprimento de uma promessa. Sigo observando, caminhando, tirando fotos, fazendo anotações para o blog, vendo lugares e pessoas.  Deixo para trás e ignoro temporariamente as questões profissionais e outras, tento libertar-me das diversas grilhetas que se impõem quotidianamente.
Talvez um antropólogo possa explicar melhor do que eu:  o sedentarismo não é o estado natural do Homo Sapiens, daí a necessidade permanente de evasão, de “sair do sítio do costume”. De uma forma ou de outra é isso que o ser humano está sempre a fazer, quer através do consumo de substâncias alucinogénias - criando as suas próprias realidades e mundos, fugindo do quotidiano -, quer através de formas socialmente mais aceitáveis: observar outras realidades fictícias ou reais através de leituras, programas de televisão, viagens. 

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Viana do Castelo – Vila Praia de Âncora (cerca de 19 Km)   

Viana do Castelo – Areosa – Carreço – Afife – Vila Praia de Âncora

Estou sentado confortavelmente no sofá do Hostel. São 23.00h. Vejo o mar através dos vidros da varanda e ouço o vento muito forte. Não se consegue estar na rua, o vento frio empurra-nos para trás. Foi um dia cansativo e fiquei algo encharcado, mas cumpri a etapa.
Segue-se a descrição do dia e as respetivas fotos.


Viana do Castelo
 Não faz parte do trilho a subida ao monte de Santa Luzia. O funicular, ida-e-volta, custa 3 €. Lá em cima a paisagem é deslumbrante. Gostei do granito polido do santuário e do painel no interior da cúpula, que me lembrou a arte Bizantina.   
Não vi o núcleo que para mim seria o mais interessante no monte: o Castro de Santa Luzia. Contornei a rede, estava completamente vedado o acesso.
No centro histórico de Viana de Castelo os sinais do percurso estão no chão, temos que estar mais atentos para seguir o caminho. Um bom ponto de referência é este, a partir do qual as setas amarelas voltam a estar bem visíveis nas paredes.
 
Igreja do Seminário do Espírito Santo, Rua Dom Moisés Alves de Pinho

O que mais me surpreendeu ao longo do percurso foi a profusão de casas típicas-rústicas-antigas. Não sendo menosprezável as muitas ruas estreitas bem calcetadas em granito, rodeadas por muros, quintais, quintas e as vivendas rústicas, algumas transformadas em turismo rural. A juntar a isto o tempo húmido e chuvoso que tingiu os prados de um verde intenso, os regatos, pequenas cachoeiras e moinhos. Trajeto muito bonito numas das mais belas e originais regiões de Portugal.
 
Rua da Pedreira da Areosa

Rua Estreita

Casa do Nato, turismo rural. Uma das casas bonitas, rústicas tradicionais que vi ao longo do caminho



Linha do Comboio em Carreço

Mais outra

E outra (um antigo convento)


Albergue Casa do Sardão (Carreço)
Encontrei o dono, o Sr. Hugo, a empilhar lenha. Interrompeu o trabalho para me mostrar o albergue - uma quinta com eira, o interior aconchegado e rústico. Tem uma esplanada com uma vista espetacular para os prados floridos e o mar. Incrível! 

Esplanada do Albergue do Sardão


Os contactos são estes:
AV. de Paço, 769 Carreço
T: 00351 961 790 759
O Sr. Hugo queixou-se da má divulgação feita pelo site oficial   do Caminho Português da Costa (este: http://www.caminhoportuguesdacosta.com/pt), que refere apenas alguns albergues - faltam outros, o da Casa do Sardão é um deles. Em compensação mostrou-me uma lista atualizada com os albergues do caminho Português e a distância entre eles.
Esta  aqui:




Vila Praia de Âncora

A D. Madalena, proprietária do Hostel d`Avenida, deixou-me especado na receção enquanto atendia outra cliente. Pareceu-me muito apressada e que respondia contrariada às minhas perguntas. Esqueceu-se de registar a chave eletrónica que me entregou. O que me valeu foi o carpinteiro que estava a fazer pequenos reparos no albergue, que trocou a chave dele pela minha.
12 € a noite, sem pequeno almoço.
Estão no albergue apenas mais dois hóspedes - peregrinos. Partilho a camarata masculina com Ian, Alemão de Dortmund. Está a beber cerveja Tagus, mini, deitado no beliche, com a manta a cobrir as pernas. Parece simpático, vai-me fazendo perguntas sobre o caminho. Chegou ao Porto vindo de Berlim, onde vive a irmã. Apanhou o metro para Vila do Conde e começou o caminho da costa. Amanhã vai apanhar o Ferribote em Caminha e seguir pela costa da Galiza até Vigo. Foi voluntário numa favela de Buenos Aires durante um ano, por isso “arranha” o Espanhol. Visitou o Rio de Janeiro.
“Os Portugueses são muito diferentes dos Brasileiros, apesar da língua comum”. Concordamos os dois.
 Traduzi para Inglês aquela frase do Eça de Queirós, de forma a que ele entendesse bem o seu significado, que diz mais ou menos isto:
“O Brasil é onde o Português anda à solta” para: “In Brazil Portuguese go crazy”. Riu-se.
O Albergue tem  balneário misto,  lotação para 22 pessoas e decoração muito Retro.
Jantei no restaurante Oceano. Um bom local para petiscar francesinhas, sandes variadas, saladas, pizzas, combinados, sopa. Funciona como restaurante, café e bar. Muito animado e frequentado.


Próximo de Vila Praia de Âncora




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