Estou a ler o livro “Rio de
Sangue”, de Tim Butcher, Bertrand Editora. Relata a viagem do autor pela
República Democrática do Congo. Cruza-se com homens miseráveis que percorrem a
pé centenas de quilómetros para vender petróleo contrabandeado, levado dentro
de bidões, carregados em cima de bicicletas num equilíbrio muito instável. Não
levam mochila, apenas a roupa esfarrapada do corpo. Dormem próximo dos trilhos
esburacados e enlameados, invadidos pela floresta densa – usam-na para se
esconderem dos encontros prováveis com assaltantes, assassinos, polícias
corruptos e outros extorsionários. Vão-se alimentando do que a floresta lhes
oferece. Arriscam a vida para ganhar alguns Francos ao fim do mês, longe da
família e da segurança oferecida pela aldeia e tribo.
É difícil imaginar uma realidade
tão diferente da minha. Contudo, é suficiente para entender como sou afortunado
em poder caminhar por lazer e não por necessidade de sobrevivência, de ter
sítios e estradas seguras, alojamentos frequentes onde ficar, de voltar a casa
ao fim de alguns dias apenas, sem ter que fazer o trilho inverso novamente a pé,
de ter transportes públicos eficientes e confortáveis.
Retomo o Caminho Português de
Santiago da Costa. Não gosto de ir pesado: “quanto menos levarmos maior a
liberdade”, li algures e concordo. Uma mochila discreta às costas – podia ser a
de um simples passeio pelo Porto - com o mínimo possível e adaptado às
condições climatéricas que vou encontrar: chuva e frio. É isso que pretendo,
alguma liberdade, conforto, e escapar da rotina diária. Não sou um peregrino
tradicional, que se mortifica e sofre para chegar ao destino, no cumprimento de
uma promessa. Sigo observando, caminhando, tirando fotos, fazendo anotações
para o blog, vendo lugares e pessoas. Deixo
para trás e ignoro temporariamente as questões profissionais e outras, tento
libertar-me das diversas grilhetas que se impõem quotidianamente.
Talvez um antropólogo possa
explicar melhor do que eu: o
sedentarismo não é o estado natural do Homo Sapiens, daí a necessidade
permanente de evasão, de “sair do sítio do costume”. De uma forma ou de outra é
isso que o ser humano está sempre a fazer, quer através do consumo de
substâncias alucinogénias - criando as suas próprias realidades e mundos,
fugindo do quotidiano -, quer através de formas socialmente mais aceitáveis:
observar outras realidades fictícias ou reais através de leituras, programas de
televisão, viagens.
Viana do Castelo – Vila Praia de Âncora
(cerca de 19 Km)
Viana do
Castelo – Areosa – Carreço – Afife – Vila Praia de Âncora
Estou
sentado confortavelmente no sofá do Hostel. São 23.00h. Vejo o mar através dos
vidros da varanda e ouço o vento muito forte. Não se consegue estar na rua, o
vento frio empurra-nos para trás. Foi um dia cansativo e fiquei algo
encharcado, mas cumpri a etapa.
Segue-se
a descrição do dia e as respetivas fotos.
Viana do Castelo
Não faz parte do
trilho a subida ao monte de Santa Luzia. O funicular, ida-e-volta, custa 3 €.
Lá em cima a paisagem é deslumbrante. Gostei do granito polido do santuário e do
painel no interior da cúpula, que me lembrou a arte Bizantina.
Não vi o
núcleo que para mim seria o mais interessante no monte: o Castro de Santa Luzia.
Contornei a rede, estava completamente vedado o acesso.
No
centro histórico de Viana de Castelo os sinais do percurso estão no chão, temos
que estar mais atentos para seguir o caminho. Um bom ponto de referência é
este, a partir do qual as setas amarelas voltam a estar bem visíveis nas
paredes.
O que
mais me surpreendeu ao longo do percurso foi a profusão de casas típicas-rústicas-antigas.
Não sendo menosprezável as muitas ruas estreitas bem calcetadas em granito,
rodeadas por muros, quintais, quintas e as vivendas rústicas, algumas
transformadas em turismo rural. A juntar a isto o tempo húmido e chuvoso que
tingiu os prados de um verde intenso, os regatos, pequenas cachoeiras e
moinhos. Trajeto muito bonito numas das mais belas e originais regiões de
Portugal.
Rua Estreita |
Casa do Nato, turismo rural. Uma das casas bonitas, rústicas tradicionais que vi ao longo do caminho |
Linha do Comboio em Carreço |
Mais outra |
E outra (um antigo convento) |
Albergue
Casa do Sardão (Carreço)
Encontrei
o dono, o Sr. Hugo, a empilhar lenha. Interrompeu o trabalho para me mostrar o
albergue - uma quinta com eira, o interior aconchegado e rústico. Tem uma
esplanada com uma vista espetacular para os prados floridos e o mar.
Incrível!
Esplanada do Albergue do Sardão |
Os
contactos são estes:
AV. de Paço,
769 Carreço
T: 00351
961 790 759
O Sr.
Hugo queixou-se da má divulgação feita pelo site oficial do Caminho Português da Costa (este: http://www.caminhoportuguesdacosta.com/pt),
que refere apenas alguns albergues - faltam outros, o da Casa do Sardão é um
deles. Em compensação mostrou-me uma lista atualizada com os albergues do
caminho Português e a distância entre eles.
Esta aqui:
Vila Praia de Âncora
A D.
Madalena, proprietária do Hostel d`Avenida, deixou-me especado na receção
enquanto atendia outra cliente. Pareceu-me muito apressada e que respondia
contrariada às minhas perguntas. Esqueceu-se de registar a chave eletrónica que
me entregou. O que me valeu foi o carpinteiro que estava a fazer pequenos
reparos no albergue, que trocou a chave dele pela minha.
12 € a
noite, sem pequeno almoço.
Estão no
albergue apenas mais dois hóspedes - peregrinos. Partilho a camarata masculina
com Ian, Alemão de Dortmund. Está a beber cerveja Tagus, mini, deitado no beliche, com a manta a cobrir as pernas.
Parece simpático, vai-me fazendo perguntas sobre o caminho. Chegou ao Porto
vindo de Berlim, onde vive a irmã. Apanhou o metro para Vila do Conde e começou
o caminho da costa. Amanhã vai apanhar o Ferribote em Caminha e seguir pela
costa da Galiza até Vigo. Foi voluntário numa favela de Buenos Aires durante um
ano, por isso “arranha” o Espanhol. Visitou o Rio de Janeiro.
“Os
Portugueses são muito diferentes dos Brasileiros, apesar da língua comum”. Concordamos
os dois.
Traduzi para Inglês aquela frase do Eça de
Queirós, de forma a que ele entendesse bem o seu significado, que diz mais ou
menos isto:
“O
Brasil é onde o Português anda à solta” para: “In Brazil Portuguese go crazy”.
Riu-se.
O
Albergue tem balneário misto, lotação para 22 pessoas e decoração muito
Retro.
Jantei
no restaurante Oceano. Um bom local para petiscar francesinhas, sandes
variadas, saladas, pizzas, combinados, sopa. Funciona como restaurante, café e
bar. Muito animado e frequentado.
Próximo de Vila Praia de Âncora |
Sem comentários:
Enviar um comentário