O Cornon é o ponto mais alto do
parque natural de Somiedo, a uma altitude de 2194 metros, no extremo
sul da região, entre a província de leon e as Astúrias. O percurso até ao cume é
um dos 12 trilhos referenciados no site do parque. A descrição encontra-se aqui (em PDF).
É um percurso apetecível: por ser
o ponto mais alto do parque, pelo desafio que é subir um declive muito
acentuado, pela dureza, pela expetativa de ver grandes paisagens e, por fim, para
sentir o gozo de conquistar mais um cume. Das várias hipóteses que se
colocaram na escolha do trilho, no pouco tempo que aqui estaríamos,
esta opção foi consensual pelos aspetos referidos.
Começa na aldeia de
Santa Maria Del Puerto, situada na extremidade sul do parque natural, porta de entrada na província das Astúrias, para quem vem de Leon pelo
Puerto de Somiedo.
A parte inicial é pouco íngreme: atravessa campos agrícolas e pastagens, depois vai aumentando gradualmente
de declive, até entrar na alta montanha. Os vários
cumes que nos rodeavam, encobertos pelo nevoeiro denso; a chuva que persistia
em cair, por vezes com alguma intensidade; o frio que se começava a sentir e as
camadas de neve, cada vez mais frequente, à medida que subíamos, não auguravam
nada de bom.
Continuamos, persistentemente,
a confiar que as condições atmosféricas iam melhorar, que por estarmos a atravessar uma zona de altitude
intermédia, com mau tempo, acabaríamos por encontrar, a uma cota mais elevada, o sol
e o bom tempo.
As condições continuaram a piorar
e a nossa situação física e psíquica também começou a ressentir-se. Apesar dos
impermeáveis e das sapatilhas em Gore – Tek, não foi possível evitar que os pés
e o corpo ficassem encharcados. Com tanto uso, mesmo os materiais de melhor
qualidade, acabam por perder as propriedades iniciais: a impermeabilização, a transpiração
e a resistência.
No meu caso, faltavam bastões e rede
de neve para as sapatilhas; as polainas só atrapalhavam, estavam sempre a
descair; as sapatilhas não eram as mais adequadas, ao caminhar na neve
escorregava e para avançar dez metros tinha que ir quase a gatinhar. Não levei
luvas, as mãos começaram a ficar enregeladas. O impermeável, que foi
útil em várias ocasiões, desta vez serviu de pouco, com o vento forte estava sempre a abrir. Fiquei enlameado e encharcado – o que até foi divertido.
Mas o problema é que ao parar, e com o arrefecimento do corpo, senti as costas e
os pés frios e molhados, o que não foi agradável.
Comer foi complicado porque
estava tudo molhado, com lama e neve, e
não tínhamos onde nos abrigar. Por fim, arranjamos um prado, já no regresso,
onde comemos de pé e à pressa.
Não chegamos ao Cornon. A decisão
de inverter a marcha não foi fácil, ao início. É frustrante ter que desistir de
um desafio, contudo, acabou por prevalecer o bom senso. Teria sido perigoso
continuar a caminhar. Não é brincadeira estar numa montanha com nevoeiro denso,
camadas grossas de neve, muito incerta e traiçoeira, chuva, vento. Eu não estava preparado para tais condições.
No verão sim, com sol o meu equipamento teria sido adequado, quase.
Não culpo o mau tempo, culpo-me a
mim, que não fui preparado como devia.
No regresso, para não voltar pelo
mesmo caminho, decidimos seguir o GPS que nos dava uma trilha inversa, paralela
àquela por onde subimos. Provavelmente essa trilha foi marcada no verão,
porque o regresso também se revelou complicado. Havia camadas de neve, que
provavelmente escondiam a trilha original e regatos cheios de água, que no
verão deviam estar secos. Tivemos que
andar às voltas para encontrar caminhos seguros, contornar rochedos e declives
ingremes, agarrar arbustos para não escorregar.
Quando nos aproximamos da aldeia,
o tempo começou a melhorar. O que permitiu secar em parte, com a ajuda do vento, a roupa molhada que
se agarrava ao corpo e deu para limpar na relva dos
prados muita lama encrustada nas sapatilhas.
Durante a caminhada questionei-me
por que razão não vou mais vezes aos centros comerciais. Qual a vantagem de
estar debaixo desta intempérie, ainda sem saber como sair daqui e como me vou
safar desta, quando podia estar no conforto do lar a ver televisão ou a ver
montras. Estava bem acompanhado e isso era importante, não iria ficar mal, mas senti uma certa dose de insegurança. A resposta que encontrei é que me faz bem
andar na lama, à chuva, ao vento, na neve. Sinto-me livre. Com todo o conforto
que se tem em casa, a nostalgia destes momentos é forte. É algo de primitivo
e primordial quando se está em contacto com a natureza crua e dura. Nós, que
vivemos em ambientes cada vez mais assépticos e sedentários, temos a nostalgia
de um tempo essencial, de vidas nómadas e incertas.
Perlunes:
Nos confins das Astúrias fica a aldeia de
perlunes. Para lá chegar é necessário, a partir de Pola de Somiedo, fazer 6
quilómetros por estrada, onde só passa um carro de cada vez. Com muitas curvas
e precipícios, que metem medo só de olhar lá para baixo. No inverno a aldeia
fica isolada. Altas camadas de neve cortam a única estrada de acesso. A aldeia
terá uns cinquenta habitantes, as casas são de xisto e hoje vive-se de algum
turismo, do aluguer de apartamentos rurais e do artesanato. Os ursos passam
perto. Todos os dias o guarda-florestal vem de jeep, desde Pola, reabastecer de
comida alguns pontos estratégicos de passagem do urso. Para o observar é
necessário uma grande dose de paciência, muito silêncio e um esconderijo.
3 comentários:
Olá caminheiro
Fiquei entusiasmado para conhecer essa região pela tua descrição deve ser bela.
Parabens pela reportagem.
Abraço caminheiro
Serafim (pisatrilhos)
Obrigado Serafim
Bolas rapaz! Até estou com arrepios! Abraço
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