Navio Santa Maria Manuela |
Estávamos nos primórdios do Estado Novo. Em Espanha decorria uma guerra civil sangrenta entre a direita ultranacionalista, conservadora e monárquica e a esquerda republicana e progressista. A Europa, sem o saber ainda, caminhava a passos largos para a mais terrível mortandade da história humana, a segunda guerra mundial, da qual resultariam dezenas de milhões de vítimas.
Portugal ia passando entre os pingos da
chuva, jogando os poucos trunfos que tinha na instável geopolítica
internacional, afastando a participação direta nos conflitos, que se pressentiam,
eminentes. A maioria da população era pobre, o país miserável e subdesenvolvido,
urgia a independência alimentar num contexto de forte concorrência e crise mundial. O mar
sempre foi recurso, e tábua de salvação, nos momentos de aflição e instabilidade. Assim
foi novamente.
Criou-se “a frota do bacalhau”, destinada
às aguas frias e abundantes da Terra Nova para suprir as carências alimentares
do país. Navios de alto mar, de quatro
mastros, entre eles o Santa Maria Manuela (construído em 1937), o Creoula e o
Argus, sediados principalmente nos portos de Viana do Castelo, Aveiro e
Lisboa.
Com a segunda grande guerra, o chefe do conselho, António de Oliveira Salazar, acordou com a Alemanha Nazi a exportação de volfrâmio, mineral muito útil em tempo de guerra, e de alguns produtos agrícolas. Uma das cláusulas era os submarinos alemães não atacarem a frota portuguesa. Os cascos foram pintados de branco para serem bem visíveis e não confundidos com os restantes navios dos países em guerra. Os barcos Portugueses tornaram-se conhecidos pela “Whyte Fleet”, a Frota Branca, ficando na memória as velas desfraldadas ancoradas ao largo de São João da Terra Nova.
A pesca do bacalhau deixou fortes
hábitos culturais. Embora já fosse habitual, o seu consumo aumentou muito neste
período. A indústria empregava milhares de trabalhadores desde a captura no mar alto até à distribuição pelos
centros de secagem e de venda. Portugal continua
a ser o país do mundo onde mais bacalhau
seco se consome e não há nenhum outro com tanta variedade de confeção, lembro-me
assim de repente do bacalhau à Gomes de Sá, à Brás, à Zé do Pipo, à
Lagareiro, Espiritual.
A conscrição na pesca foi uma maneira que muitos mancebos encontraram mais tarde para escapar à guerra no ultramar. Ficavam livres do serviço militar. O salário base era muito reduzido, havia, no entanto, a oportunidade de ganhar mais dinheiro com quantidades extra de pescado.
As campanhas marítimas duravam vários meses. O navio mãe transportava aproximadamente 65 pequenos barcos, os Doris, empilhados no seu convés. Chegados às águas frias do Atlântico Norte eram lançados à água com apenas um homem dentro. Estes ficavam isolados até doze horas, pescando com cana e anzol. Quando o enchiam remavam de regresso ao navio. Podiam não o encontrar com o nevoeiro cerrado e o mar agitado. Uma atividade perigosa e extenuante. Os navios tinham uma tripulação aproximada de 70 homens.
O Santa Maria Manuel homenageia a esposa do armador, Dona Maria Manuela D`Orey. Não foi uma Santa canonizada pelo Vaticano, foi-o para o marido. Deu-lhe quinze filhos e aturou-o imenso, tendo sempre com ele "uma paciência de santa".
O Argus fez parte de um documentário da National Geographic Society que o tornou famoso em vários países nos anos 50 e 60 do século passado. Um livro sobre a pesca do bacalhau, traduzido em catorze idiomas, também contribuiu para a sua fama. As imagens de homens solitários no mar alto empregando técnicas artesanais de pesca, os cascos brancos e as velas de quatro mastros desfraldadas ao vento fizeram desta atividade de sobrevivência alimentar e económica de um pequeno país Atlântico um acontecimento de projeção internacional. O navio tornou-se cobiçado por estrangeiros, o governo do Estado Novo não o vendeu, representava uma memória histórica importante.
No verão quente de 1975 o navio foi parar aos Estados Unidos, retirado do estaleiro de Lisboa, transformado em barco de recreio - o jet Set internacional considerava um must navegar no ex-bacalhoeiro, filmado pela NGS - e renomeado com nome mais comercial e turístico, de acordo com as novas funções a que estava destinado, de ressonâncias exóticas e tropicas, em contraste com a sua atividade inicial e os bancos de gelo que o viram navegar, o Polynesia.
Apesar do glamour o proprietário entrou em falência. Foi a Leilão na ilha de Aruba, no ano de 2007. A empresa que detém o Santa Maria Manuela comprou o navio, sem ajuda do estado.
Hoje, o Polynesia, ex-Argus, estrela documental, está decadente, ancorado em ílhavo, no porto da Gafanha da Nazaré, próximo do companheiro de gesta heroica, o Santa Maria Manuela, à espera de ser recuperado.
É justo que se faça publicidade à empresa detentora dos navios, a Pascoal, que não deixa morrer a memória épica da “Frota Branca”.
Navio Santa Maria Manuela |
Dóris |
O Polynesia |
Pela primeira vez coloco publicidade no meu Blog. Produto Português com um papel importante na preservação da nossa memória histórica, fazendo o papel que deveria competir ao Estado. |
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