segunda-feira, 3 de março de 2025

Trilho das Levadas de Jugueiros (PR3 - Felgueiras)

Rio Bugio

Diga lá?, por que motivo a velhinha fez queixa de si?

Não faço ideia senhor agente, eu só quis ajudar.

A senhora disse  que você lhe tentou roubar a carteira.

É mentira! Só me ofereci para lhe  levar o saco.

O senhor vive em que mundo? Não vê que a assustou?! Alguma vez ela acreditaria que o senhor queria, APENAS,  a ajudar a levar o saco. Não me leve a mal,  imagine uma senhora idosa, sozinha,  de repente aparece um estrangeiro no meio da rua – do Irão, correto? - a  meter a mão na alça do saco a oferecer ajuda. Mesmo que seja verdade, acha que ela ia acreditar?

Senhor agente, quando  vi a velhinha com dificuldades não pensei duas vezes, pus a mão para lhe tirar o peso do ombro. Ela disse que era só um livro, não imaginava que depois disso ia reagir mal, gritar, ficar assustada.

O Senhor Ó…diga-me o nome outra vez, por favor,  Ó- MAR, isso mesmo!, procedeu de forma muito irrefletida. Acha que a senhora levava mesmo um livro? Disse-lhe isso para o enganar, se o senhor pensasse que era um livro provavelmente ia deixá-la em paz. Ninguém quer livros!  O saco tinha a  carteira com  euros e o cartão de cidadão. Acha que com aquelas vistas míopes e aros escuros ela consegue ler alguma coisa? Teve muita sorte os vizinhos não o agredirem, podiam ter reagido a quente, pensado que você a tinha,  efetivamente, roubado. E eu  estar perto. Ouça lá, Omar, você sem querer meteu-se numa grande alhada. Está legalizado?

Estou, sim senhor!

O que veio fazer a Felgueiras?

Vim pescar trutas no rio Bugio.

Portanto, o  senhor deixou a scooter no largo do Assento,  foi  a pé  pelas levadas de Jugueiros até à cascata da Escavanca apanhar trutas, quando regressou viu a velhinha a atravessar a rua?

Correto.

Teve pena, resolveu praticar uma boa ação, apareceu por detrás da senhora a segurar-lhe o saco para não ir tão pesada… e originou esta confusão, este mal-entendido?

Foi isso mesmo,  Sr. Agente.

Há uma queixa contra si por parte de Maria Ermelinda da Silva Freitas, reformada, oitenta e seis anos. Vai ter de me acompanhar à esquadra.

Na esquadra da PSP de Felgueiras os agentes Antunes e Rebordão fazem o auto.

Nome completo?

Omar Khayyam

Como se escreve?

Ò eme à erre espaço  Kapa agá à ípsilon ípsilon à eme.

Morada?

Campo 24 de Agosto, Porto.

Nacionalidade?

Pérsia.

Como assim?! A pérsia mudou o nome para Irão,  na revolução do Aiatola. Escreve Irão, Antunes!

Passaporte?

LJI026205

Por que veio para Portugal?

O meu país é incompatível  com o meu espírito de liberdade, sou livre-pensador, aprecio vinho, mulheres. Decidi viver onde posso exprimir as minhas opiniões livremente.  Fugi  pelas montanhas  do norte com outros refugiados. Cheguei a Portugal depois de passar por vários países.

Em que cidade do Irão, ou da Pérsia  se preferir, vivia?

Samarcanda.

Samarcanda!!! Está a gozar connosco!?  Ó Mar, ou lá como  se chama, acha que somos ignorantes?! Pensa que não sabemos que Samarcanda é no Uzbequistão? Tenho uma  prima que visitou Samarcanda com uma agência de viagens do Porto,  a Pinto Lopes Viagens! Já agora, fala Português demasiado  bem, onde aprendeu a língua?

Frequentei aulas noturnas de Português para estrangeiros. Tive uma excelente professora, a Dra. Taboada.  

O que fazia na Pérsia, ou Irão?

Era poeta, escrevia poemas de quatro versos, os rubaiate, nos quais exprimia sentimentos hedonistas. Também me dedicava à astronomia. Comecei a ser perseguido pelas autoridades. Em Portugal, tornei-me estafeta da UBER e nos tempos livres, que são muito poucos, pesco trutas.

Tirou fotografias às trutas?

Não, mas tirei ao rio e às levadas.

Mostre-as lá.