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Rio Bugio |
Diga lá?, por que motivo a velhinha fez queixa de si?
Não faço ideia senhor agente, eu só quis ajudar.
A senhora disse que
você lhe tentou roubar a carteira.
É mentira! Só me ofereci para lhe levar o saco.
O senhor vive em que mundo? Não vê que a assustou?! Alguma
vez ela acreditaria que o senhor queria, APENAS, a ajudar a levar o saco. Não me leve a mal, imagine uma senhora idosa, sozinha, de repente aparece um estrangeiro no meio
da rua – do Irão, correto? - a meter a
mão na alça do saco a oferecer ajuda. Mesmo que seja
verdade, acha que ela ia acreditar?
Senhor agente, quando
vi a velhinha com dificuldades não pensei duas vezes, pus a mão para lhe
tirar o peso do ombro. Ela disse que era só um livro, não imaginava que depois disso ia reagir mal, gritar, ficar assustada.
O Senhor Ó…diga-me o nome outra vez, por favor, Ó- MAR, isso mesmo!, procedeu de forma muito
irrefletida. Acha que a senhora levava mesmo um livro? Disse-lhe isso para o enganar,
se o senhor pensasse que era um livro provavelmente ia deixá-la em paz. Ninguém
quer livros! O saco tinha a carteira com euros e o cartão de cidadão. Acha que com aquelas vistas
míopes e aros escuros ela consegue ler alguma coisa? Teve muita sorte os
vizinhos não o agredirem, podiam ter reagido a quente, pensado que você a tinha,
efetivamente, roubado. E eu estar perto. Ouça lá, Omar, você sem querer meteu-se numa grande alhada. Está legalizado?
Estou, sim senhor!
O que veio fazer a Felgueiras?
Vim pescar trutas no rio Bugio.
Portanto, o senhor deixou
a scooter no largo do Assento, foi a pé pelas
levadas de Jugueiros até à cascata da Escavanca apanhar trutas, quando regressou viu a velhinha a atravessar a rua?
Correto.
Teve pena, resolveu praticar uma boa ação, apareceu por detrás
da senhora a segurar-lhe o saco para não ir tão pesada… e originou esta
confusão, este mal-entendido?
Foi isso mesmo, Sr.
Agente.
Há uma queixa contra si por parte de Maria Ermelinda da
Silva Freitas, reformada, oitenta e seis anos. Vai ter de me acompanhar à esquadra.
Na esquadra da PSP de Felgueiras os agentes Antunes e Rebordão
fazem o auto.
Nome completo?
Omar Khayyam
Como se escreve?
Ò eme à erre espaço Kapa
agá à ípsilon ípsilon à eme.
Morada?
Campo 24 de Agosto,
Porto.
Nacionalidade?
Pérsia.
Como assim?! A pérsia mudou o nome para Irão, na revolução do Aiatola. Escreve Irão, Antunes!
Passaporte?
LJI026205
Por que veio para Portugal?
O meu país é incompatível com o meu espírito de liberdade, sou livre-pensador,
aprecio vinho, mulheres. Decidi viver onde posso exprimir as minhas opiniões
livremente. Fugi pelas montanhas do norte com outros refugiados. Cheguei a
Portugal depois de passar por vários países.
Em que cidade do Irão, ou da Pérsia se preferir, vivia?
Samarcanda.
Samarcanda!!! Está a gozar
connosco!? Ó Mar, ou lá como se chama, acha que somos ignorantes?! Pensa que
não sabemos que Samarcanda é no Uzbequistão? Tenho uma prima que visitou Samarcanda com uma agência de viagens do Porto, a Pinto Lopes Viagens! Já agora, fala Português demasiado bem, onde aprendeu a língua?
Frequentei aulas noturnas de Português para estrangeiros.
Tive uma excelente professora, a Dra. Taboada.
O que fazia na Pérsia, ou Irão?
Era poeta, escrevia poemas de quatro versos, os rubaiate, nos quais exprimia sentimentos hedonistas. Também me dedicava à astronomia. Comecei a ser perseguido pelas autoridades. Em Portugal, tornei-me estafeta da UBER e nos tempos livres, que são muito poucos, pesco trutas.
Tirou fotografias às trutas?
Não, mas tirei ao rio e às levadas.
Mostre-as lá.