Darwin costumava fazer longas caminhadas pelos campos de Kent.
Sem elas o seu raciocínio não teria sido tão bem explicitado, tal era a magnitude da teoria
que propunha sobre a evolução das espécies. Com a ajuda da natureza e da
observação do ambiente que o rodeava conseguiu o fôlego intelectual necessário à formulação clara dos
seus princípios.
Caminhar coloca em contacto o mundo e as pessoas, os
genes e a ancestralidade humana em funcionamento. O Homem foi nómada antes de
ser essencialmente sedentário. Evoluiu em movimento. Por essa razão, persiste
no íntimo da cada um a necessidade de estar em deslocação permanente.
Quando não há afazeres, ou se está assoberbado de trabalho sem saber por
onde começar, sair de casa, arejar
ideias é uma solução. Não faz mal a ninguém, não danifica a natureza em
trabalhos extrativistas, não polui a atmosfera com a condução automóvel. Pensar
e caminhar não agride, a não ser eventuais caracóis, insetos e plantas esmagados
pelos pés ou o próprio em acidentes.
Pode ser desagradável caminhar sozinho, a solidão maior, sem ninguém com quem
partilhar o caminho e o momento. A
televisão, as redes, os grupos sociais, virtuais ou reais, criam estímulos
constantes e distraem. No vazio e silêncio fica-se mais próximo de se tomar consciência de si, de ter uma experiência libertadora. Ou perturbadora, se o ruído
permanecer no cérebro e no espírito, a inquietação nas pessoas, mesmo no meio das montanhas. Este tipo de ruído é o mais difícil de desaparecer.
Caminhar à chuva e ao sol, andar despercebido em segurança, é
estimulante. No fundo, trata-se de liberdade, de conseguir viver com ela e de
saber apreciá-la.
Vai-se aprendendo algo com os sítios e a observação, mesmo
que não se faça muito por isso.
A Covilhã, lembrei-me do que me falou um colega de artes, é
a “Capital dos Murais de Portugal”. A partir de certa altura, comecei a vê-los nas fachadas do centro da cidade. Entusiasmei-me, o objetivo tornou-se mais definido: captar o
maior número possível de imagens. A cidade transformou-se, tornou-se mais
acolhedora, moderna e vibrante, no meio das ruelas vazias e antiquadas onde
passava. Gostei do centro, do esforço de modernização artística e de
acompanhamento das tendências urbanas. Depois de duas horas de caminhada e
deambulação foi o momento mais compensador, até ali tinha observado exemplos patéticos,
dos muitos que abundam em Portugal, de estruturas
caras recentemente construídas que não funcionam. Elevadores “temporariamente indisponíveis”
que iriam facilitar a mobilidade entre o bairro dos Penedos Altos, as partes
baixas e alta da cidade, construídos com fundos europeus, ao abrigo do programa Polis. Milhões de euros gastos, desperdiçados sem qualquer retorno efetivo na vida prática
das comunidades.