sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Covilhã


 

Darwin costumava fazer longas caminhadas pelos campos de Kent.  Sem elas  o seu raciocínio não teria sido  tão bem explicitado, tal era a magnitude da teoria que propunha sobre a evolução das espécies. Com a ajuda da natureza e da observação do ambiente que o rodeava conseguiu o fôlego  intelectual necessário à formulação clara dos seus princípios.  

Caminhar coloca em contacto o mundo e as pessoas, os genes e a ancestralidade humana em funcionamento. O Homem foi nómada antes de ser essencialmente sedentário.  Evoluiu em movimento. Por essa razão, persiste no íntimo da cada um a necessidade de estar em deslocação permanente.

Quando não há afazeres, ou se está  assoberbado de trabalho sem saber por onde começar, sair de casa, arejar  ideias é uma solução. Não faz mal a ninguém, não danifica a natureza em trabalhos extrativistas, não polui a atmosfera com a condução automóvel. Pensar e caminhar não agride,  a não ser  eventuais caracóis, insetos e plantas esmagados pelos  pés ou o próprio em acidentes.

Pode ser desagradável caminhar sozinho, a solidão maior, sem ninguém com quem partilhar o caminho e o momento.  A televisão, as redes, os grupos sociais, virtuais ou reais, criam estímulos constantes e distraem.  No vazio e silêncio fica-se mais próximo de se tomar  consciência de si, de ter uma  experiência  libertadora. Ou perturbadora,  se o ruído permanecer  no cérebro e no espírito,  a inquietação nas pessoas, mesmo  no meio das montanhas.  Este tipo de ruído é o mais difícil de desaparecer.

Caminhar à chuva e ao sol, andar despercebido em segurança, é estimulante. No fundo, trata-se de liberdade, de conseguir viver com ela e de saber apreciá-la.

Vai-se aprendendo algo com os sítios e a observação, mesmo que não se faça muito por isso.

A Covilhã, lembrei-me do que me falou um colega de artes, é a “Capital dos Murais de Portugal”. A partir de certa altura, comecei a vê-los nas fachadas do centro da cidade. Entusiasmei-me,  o objetivo tornou-se mais definido: captar o maior número possível de imagens. A cidade transformou-se, tornou-se mais acolhedora, moderna e vibrante, no meio das ruelas vazias e antiquadas onde passava. Gostei do centro, do esforço de modernização artística e de acompanhamento das tendências urbanas. Depois de duas horas de caminhada e deambulação foi o momento mais compensador, até ali tinha observado exemplos patéticos, dos muitos  que abundam em Portugal, de estruturas caras recentemente construídas que não funcionam. Elevadores “temporariamente indisponíveis” que iriam facilitar a mobilidade entre o bairro dos Penedos Altos, as partes baixas e alta da cidade, construídos com fundos europeus, ao abrigo do programa Polis. Milhões de euros gastos, desperdiçados sem qualquer retorno efetivo na vida prática das comunidades.

































sábado, 9 de novembro de 2024

Trilho dos Moinhos - PR13 Águeda

 


Coloquei o anúncio na sala dos professores. Poucos se inscreveram. Dois desistiram. Ponto de encontro no parque de estacionamento de um hipermercado com acesso fácil e rápido à autoestrada.

Partilhamos boleia em dois carros, ligamos o googlemaps, fomos em direção ao parque de merendas do Sabugueiro, na freguesia de Aguada, Águeda. Há meses que não realizava um trilho de pequena rota, gosto da simplificação e da organização dos trilhos em pequenas e grandes rotas. É uma forma fácil de atrair pessoas para as caminhadas nas centenas  dispersos  pelo país, para todos os gostos e graus de dificuldade.  Desejei há alguns anos começar a trilhar o maior número possível de circuitos e fazer a sua divulgação, um dos motivos, senão o principal,  pelos quais comecei a escrever o blog.

Pesquisei previamente alguns trilhos num sitio que desconhecia. Deixo aqui o link. Completo, interessante,  com imagens de satélite atualizadas  do terreno. Informação imprescindível  atendendo a que muitas áreas do país arderam recentemente,  sendo  importante saber se foram  destruídas  pelos  incêndios.

Os incêndios andaram próximos, mas não queimaram qualquer palmo do trajeto.  Podíamos fazê-lo apreciando as condições ambientais normais da região. Além do mais é de  baixo grau de  dificuldade, circular e de poucos quilómetros de extensão – 6,6. Sendo a primeira caminhada do ano na escola convinha escolher um acessível para atrair muitos colegas, mesmo assim não resultou.  

O parque de merendas do  Sabugueiro foi uma surpresa agradável. Encostado ao centro da vila de Aguada, com algum comércio, o largo da igreja, vivendas e pequenas urbanizações próximas. Ambiente tranquilo e pacato. À hora que chegamos um numeroso grupo de pessoas preparava o picnic nas churrasqueiras de cimento. Vimos o painel de início do trilho, seguimos o sentido  recomendado. 

O PDF do trajeto está aqui.

Fomos por caminhos de terra batida,  traseiras de quintais, terrenos com árvores de fruto e pequenas hortas artesanais,  ao longo de levadas e riachos. Talvez por esta razão o nome da freguesia – AGUADA -  se deva à grande quantidade de  água na região.  Levadas e riachos que moviam as mós dos moinhos de água que dão nome ao trajeto.  De acordo com as placas informativas, foram construídos no séc. XVI. Sofreram  transformações várias ao longo dos tempos. Hoje  não passam de telheiros abandonados,  descaracterizados e invadidos pelas silvas.

Alguns dos terrenos estavam alagadiços, em dias de muita chuva partes do trilho devem-se tornar intransitáveis.

As tábuas dos passadiços encontram-se partidas e soltas  em vários locais, cheias de verdete e escorregadias, a necessitarem de uma reparação urgente. Em muitos pontos não se notava o trilho devido ao mato espesso que o ocupou, evidenciando pouca utilização pelos caminheiros e falta de manutenção da câmara. 

A sinalização é adequada, os sinais de PR indicam corretamente o trajeto  a seguir, à exceção de um local onde encontramos patos e gansos ao pé de uma levada. Ficamos sem saber por onde seguir. Encontramos um casal que tal como nós estava baralhado. O homem teve de consultar a trilha no Wikiloc. Fomos ter à estrada, junto ao  restaurante Vidal dos Leitões.  Calhou bem. Íamos a meio do trajeto, era hora de almoço e, sem nada previsto, surge-nos  o restaurante. Por sinal, um dos mais famosos e requintados da região. Serviu leitão à comitiva da rainha Isabel II na visita que fez a Portugal em 1985. O restaurante enviou o leitão confecionado para  o Castelo de São Jorge onde se realizou um  banquete real. Foi tão apreciado que desde então amigos da família real britânica quando estão de passagem pela região encomendam leitão ao restaurante.  Não hesitamos, quase todos pediram o prato de leitão à Bairrada. Disse quem o comeu que “estava muito bom”.  Acompanhado por vinho da casa, espumante tinto da Bairrada das caves Primavera. Momento de bom convívio, risadas e boa disposição.

Saímos para realizar os últimos quilómetros. Viramos à direita na estrada de terra batida, encontramos a sinalização e a partir dali fizemos um caminho tranquilo entre matos de eucaliptos,  acácias e muitos vestígios dos bosques originais de sobreiros e carvalhos. Caminhamos debaixo das sombras frondosas da vegetação densa, novamente junto de levadas e riachos, pisamos folhas outonais dos carvalhos americanos e plátanos que cobriam a terra.

Apesar de  algumas dificuldades de orientação, de alguns trechos alagadiços e enlameados, do cheiro a bafio das escadarias estreitas da fonte da Pipa,  o trilho é curioso e interessante. Leva-nos a conhecer modos de vida diferentes dos urbanos, a observar uma ruralidade que persiste heroicamente nas pequenas hortas cultivadas que fomos vendo, nos animais domésticos que queriam a nossa companhia ou se assustavam com a nossa aproximação,  nas árvores de fruto lembrando a prodigalidade da natureza. Encontramos obras enigmáticas,  combinações de cores e materiais de belos efeitos estéticos, refúgio e aconchego. 

Início do trilho, junto ao parque de merendas do Sabugueiro





Escadarias da Fonte da Pipa