sábado, 5 de julho de 2025

Vieira do Minho



Sinto-me uma estrangeira. Do outro lado do rio, gruas  e mais gruas. A cidade transforma-se vertiginosamente, sem qualquer planeamento, ao que parece. Se houvesse planeamento, os novos edifícios seriam construídos mais espaçadamente, com jardins e estradas pedonais entre eles. A densidade de construção é tremenda. Imagino que, em  poucos meses, as novas zonas residenciais estarão apinhadas de carros; haverá mais engarrafamentos, acessos mais demorados e confusos. Mais buzinadelas, ruído e poluição atmosférica.

Por estes e outros motivos, resolvi vir alguns dias  para Lamêdo,  esquecer a cidade,  ouvir o silêncio, o rumorejar do rio Ave perto da nascente, na serra da Cabreira. Levanto-me cedo todas as manhãs, subo o trilho até à ponte medieval, fico a olhar embevecida os leixões musgosos mergulhados na água translúcida, os fetos, raízes e árvores centenárias que cobrem a encosta e o que resta da ponte. Depois, subo mais umas centenas de metros, passo pelos velhos moinhos abandonados, disfarçados nas silvas,  e chego à nascente. Olho os montes em redor, a frondosa mata do Turio, o vale e a vila de Vieira do Minho, rodeada de vegetação opulenta.

O dia  até correu bem.  Apesar de procurar o silêncio, não me consigo distanciar totalmente das modernices quotidianas. Trouxe o portátil,  faço a ligação wireless ao telemóvel e fico com internet disponível nesta pequena arrecadação em que pernoito, isolada.

As notícias inquietam-me: saber que morrem, num país distante, crianças e mulheres inocentes, vítimas de uma guerra injusta e tenebrosa, de extermínio e ocupação ilegal, à qual os nossos países assistem sem nada fazer, tratando como igual o agressor.

Passei uma parte da manhã a enviar mensagens eletrónicas: utilizei layouts  muito semelhantes -  alterei o nome das empresas  e, nos últimos parágrafos, especifiquei o tipo de negócio que mantêm com o ocupante.

Dear Sirs

a)        I have to informe you that I will not buy any product related to your label (TV, household appliances, mobile phone,...) while your firm stands as " the main contractor for the Euro-Asia Interconnector, a  cable that is planned to connect  illegal settlements in the…. occupied territory to Europe”.

 I will ask my friends and relatives to do the same and tell them  why.

b)       as your  customer for some  years and as someone pleased with your service, it is with great regret that I inform your firm that I will stop using your platform to book hotels while your  offering  rentals in illegal ….. settlements.

I will look for alternative ways to book hotels in advance.


Thank you very much,

Fiquei mais reconfortada: ficam a saber que não somos indiferentes, que não podem fazer negócios a qualquer custo. As multinacionais devem ser responsáveis, demonstrar ética e o mínimo de solidariedade com os mais vulneráveis e injustiçados.

Não tenho cozinha, almoço todos os dias na “Casa Pancada”. A dona Ermelinda é uma joia de pessoa,  m`nina, hoje temos rojões. m`nina, hoje temos cabrito. A m`nina é  muito bonita”. Não há ementa. A refeição é confecionada  com os ingredientes mais comuns do dia e da época. Dizem que o nome do restaurante se deve à pancadaria frequente que por ali havia quando era uma tasca. A dona Ermelinda já ultrapassou os 80 anos e gere o restaurante há mais de 30.  

Está a decorrer o festival “Província Sonora”. Esta tarde atuou o violoncelista Filipe Quaresma no Centro Cultural  Casa de Lamas. Peguei na bicicleta e desci depois do almoço  ao centro da vila para o ver  tocar os prelúdios de Bach.  Foi um  privilégio ouvir, gratuitamente e  ao vivo,  melodias divinais num edifício histórico do século XVI,  entre as paredes sólidas de granito e o calor quente e abafado. A minha mente e alma  evolavam-se   ao som da música.  Encontrei no concerto a  Presidente da Câmara, a professora Elsa Ribeiro,  simpática e prestável como sempre. Acha estranho uma mulher sozinha vir  para Vieira do Minho, isolar-se num barracão na aldeia de Lamêdo. Expliquei que era só por uns dias, que estava a precisar de sair da cidade e que me mantenho muito ocupada,  com as caminhadas na serra da Cabreira e a navegar na internet, como esta manhã.

Ofereceu-me o folheto turístico do concelho. Depois disso, ainda tive forças para pedalar até à Ermida da Senhora da Lapa, onde vai decorrer uma grande romaria no próximo domingo, e regressar derreada ao meu refúgio temporário.






O Violoncelista Filipe Quaresma, na Casa de Lamas (com áudio)

Casa de Lamas



Ermida da Senhora da Lapa






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