sábado, 31 de março de 2012

Caminho Português de Santiago: 3ª Etapa: Barcelos – Ponte de Lima (34 Km)


Até ao momento a mais bonita etapa do percurso. O caminho segue em estradas de paralelos, por aldeias antigas com casas de pedra e árvores floridas nos quintais, algumas casas senhoriais transformadas em quintas de turismo rural e muitos troços de terra batida dentro de bosques, passando ao lado de regatos e sobre pontes medievais.



Caminho quase toda a etapa na companhia de Niels, peregrino Alemão que visita pela primeira vez a península Ibérica. Tem um itinerário completamente maluco: saiu de Hamburgo para Bruxelas num voo local, em Bruxelas apanhou o avião para o Porto. No Porto apanhou o metro para o centro da cidade e começou a caminhada na Sé. Dormiu a primeira noite num bosque, próximo de Vilarinho, com mais dois alemães. Tem que estar em Santiago no dia 8 de Abril. Em Santiago apanhará o avião para Palma de Maiorca e depois de Palma de Maiorca vai para Hamburgo.

É soldado paramédico. Cumpriu missão de 6 meses no Afeganistão e regressará em Dezembro para mais seis meses. O seu trabalho é dar apoio médico aos soldados feridos em combate. Sendo lançado de pára-quedas ou transportado em comboios militares para o centro do conflito, juntamente com os grupos de combate. Os paramédicos ficam na retaguarda e auxiliam os feridos.

- É uma guerra muito difícil.

- Deves ter que ser muito forte psicologicamente e fisicamente para aguentar isso tudo.

Há muita coisa que fica nas entrelinhas sobre a guerra no Afeganistão e discretamente desviamos a conversa para outros temas menos pesados. No entanto o Afeganistão e a comparação entre os nossos dois países serão dois assuntos recorrentes ao longo do dia.



A localidade de Tamel tem um albergue que se encontrava fechado à hora que passamos. Fica 10 km depois de Barcelos.



Os últimos quilómetros antes de Ponte de Lima são muito bonitos, há muitas laranjeiras que surpreendem Niels.



 
O Albergue de Ponte de Lima é uma casa senhorial recuperada, situa-se no edifício cor-de-rosa, visível logo após a ponte medieval. Foi recentemente inaugurado, tudo nele é novo. As condições são impecáveis e ganhou um prémio arquitectónico pela qualidade da restauração. Há várias camaratas, cozinha, lavandaria, sala de estar. Os corredores e as camaratas são muito espaçosos. As regras são apertadas. Entrada até às 9 da noite e saída antes das nove da manhã. Compreende-se este zelo, há que manter o edifício com estas condições maravilhosas.



Cruzamo-nos com o casal de Brasileiros. Andam há 6 anos a caminhar pela Europa. Fizeram o caminho Francês quatro vezes, o Português é a terceira vez e todos os restantes caminhos de Santiago pelo menos uma vez. Já foram de Roma a Santiago a pé por sítios sem albergues e por estradas perigosas. São reformados e gastam o dinheiro nisto.



- Não temos passarinhos a quem dar de comer.



Gostei desta expressão.


Capela de Santa Cruz


Rio Lima, Arco da Geia




Vista da cozinha do albergue de Ponte de Lima

Albergue de Ponte de Lima

Ponte de Lima

sexta-feira, 30 de março de 2012

Caminho Português de Santiago: 2ª Etapa: Vilarinho – Barcelos (26 Km)


Poucos quilómetros após a saída de Vilarinho atravessa-se uma bonita ponte gótica sobre o rio Ave, com um moinho em cada uma das margens. Nesta etapa surgem os primeiros troços de terra batida, contudo continua a predominar a passagem por ruas de paralelos e novamente a nacional 306, entre muros de grandes propriedades agrícolas e quintas.







A Vila de São Pedro de Rates fica a 13 Km de Vilarinho e foi uma surpresa muito agradável passar nesta localidade bonita e acolhedora, com uma importante igreja Românica e um excelente albergue.

O Albergue é uma antiga casa rural recuperada. Tem três camaratas, chuveiros, lavandaria e cozinha. No exterior há espigueiro e eira onde no Verão se fazem reconstituições de desfolhadas. Parte da casa foi transformada em museu rural, tendo em exposição alfaias agrícolas e a história do ciclo do linho. Existe ainda uma curiosa nora que também é catavento.

A chave do albergue deve ser pedida na mercearia que fica ao cimo da rua, onde também se carimbam e vendem credenciais. É comum ficar lotado nos meses de Julho e Agosto. Está aberto todo o ano.





Daniel é um peregrino Italiano que veio na Easyjet, no voo Milão – Porto. Apanhou o metro até Vilar do Pinheiro e começou aí a peregrinação. Vem carregado com tenda e botas de montanha penduradas na mochila. Está arrependido de trazer tanta coisa. Explico-lhe que não devia ter trazido tanto. Mostro-lhe a minha pequena mochila e digo que o melhor é levar o mínimo possível. Quanto menos peso melhor. Roupa simples, leve, versátil e apenas três pares de calçado. Sapatilhas para caminhar, chinelos finos para o duche e para ocuparem pouco espaço, e outro par de calçado muito ligeiro, apenas para substituir as sapatilhas após as caminhadas, enquanto estas são arejadas. Molas, fio, sabão para lavar a roupa, impermeável. Em Santiago regressará ao Porto para visitar a cidade e embarcar para Milão. Tem uma exploração de vacas. Vende o leite a 0,40 € às cooperativas e depois o mesmo leite é vendido nos supermercados italianos a 2€. A margem de lucro é mínima comparada com o que os restantes intermediários e o vendedor final ganham.

Não aguenta caminhar mais e fica em São Pedro de Rates. É uma da tarde, sinto-me bem e continuo sozinho até Barcelos.



A aproximação a Barcelos é desinteressante, caminha-se pela EN 306 e passam-se por lugarejos que, à excepção de um ou outro ponto com alguma história, têm pouco para ver.



Barcelos não tem albergue. O rancho Folclórico de Barcelinhos recebe os peregrinos na sua sede que fica antes de se atravessar a ponte medieval, à esquerda, depois dos bombeiros voluntários. As instalações são simples, mas com a dignidade e a higiene necessárias. Consistem numa camarata com 10 beliches, casa de banho e chuveiros.

- Você é Português? - pergunta a funcionária que me recebe - é que geralmente os Portugueses andam sempre em grupo e você como está sozinho fiquei com dúvidas. São mais os estrangeiros que andam sozinhos a fazer o caminho de Santiago.

Na camarata encontro os brasileiros de ontem, estão dentro do mesmo saco cama e parecem muitos apaixonados.



Lavo alguma roupa, ao meu lado um tipo faz o mesmo.

- De onde és? – pergunto

- Sérvia.

Talvez por ser a primeira pessoa que conheço da Sérvia foi inevitável despejar-lhe uma série de perguntas sobre o país e principalmente sobre a política, a guerra da Jugoslávia, os bombardeamentos da Nato, a situação do Kosovo.

Pareceu-me um indivíduo muito sábio. Não tem carro, veio a pé desde a Sérvia, dorme em albergues e muitas vezes na rua, não come em restaurantes para poupar dinheiro. Compra enlatados e fruta.

Chegam outros peregrinos para lavar a roupa e terminamos a conversa.

Aponto uma frase “ O Caminho é feito de encontros ocasionais”.


Deambulo por Barcelos à procura de restaurante. Sento-me na esplanada do largo do Apoio, do chafariz renascentista brota água. Tomo um chá antes do jantar.
Ponte Gótica de Zameiro

Moinho no rio Ave



Igreja Românica de São Pedro de Rates

Albergue de São Pedro de Rates

Interior do recinto do albergue


Barcelos, ponte medieval e museu arqueológico


Barcelos

Barcelos, chafariz renascentista. Largo do Apoio



quinta-feira, 29 de março de 2012

Caminho Português de Santiago: 1ª Etapa: Porto – Vilarinho ( 25 Km)


No posto de turismo a funcionária atende turistas Franceses. Vai explicando tudo num Francês fluente enquanto espero caladinho atrás da fila para ser atendido. Não digo uma única palavra. A senhora vai respondendo às questões dos turistas, sempre em Francês. À minha volta só se ouve Francês. São todos Franceses, excepto a funcionária e eu. Quando são atendidos os últimos turistas à minha frente, a funcionária olha para mim e pergunta em Português, sem hesitar:

- E o senhor, o que pretende?

- Comprar a credencial do peregrino.

- Não é aqui, é dentro da sé.

- Obrigado.

A minha nacionalidade está-me estampada na cara, não há nada a fazer.

Compro a credencial e começo a peregrinação. São onze da manhã.

Passo a zona histórica do Porto. Na Rua das Flores, após o instituto da juventude, as setas amarelas indicam dois caminhos de Santiago: o de Braga e o de Barcelos. Sigo pelo de Barcelos. É este trajeto que aparece descrito nos sítios que pesquisei na internet e o que tem o albergue mais próximo do Porto: São Pedro de Rates, a 38 Km.





A informação que encontrei na internet sobre os caminhos portugueses resumia-se a dois ou três sítios interessantes: o dos amigos do caminho Português de Santiago e de outros sucedâneos deste, basicamente com a mesma informação, o mesmo lay-out e desatualizados.

Um blog que encontrei pareceu-me bastante interessante, dobrarfronteiras, que me ajudou. Tudo o resto eram textos copiados uns dos outros e com pouca informação prática, que era o que mais me interessava.



No largo do Araújo virei à direita. Podia ter seguido em frente, pois aqui o caminho bifurca, voltando a juntar-se alguns quilómetros mais adiante. A opção que tomei é a pior porque atravessa a zona industrial da Maia e um cruzamento muito perigoso na EN 13, depois da ponte medieval, com a passagem forçada por cima do rail que separa as duas faixas de rodagem, entre  camiões e carros a passar de um lado e do outro. Muito perigoso e desconfortável.



Entre Vilar do Pinheiro e Vilarinho o percurso segue quase sempre pela EN306. Novamente com o perigo a espreitar devido à falta de passeios para os peões. Vai-se em cima da estrada com os carros a encostarem os peões às paredes.





Quanto mais nos afastamos do Porto mais a paisagem vai mudando e o meio urbano transforma-se gradualmente num meio cada vez mais rural. Até que por fim se passa ao longo de muros de quintas, terrenos agrícolas e pequenos matos.



Em Vilarinho não existe albergue. Há um abrigo do peregrino, com apenas três colchões em dois beliches, sujo e maltratado.

Algumas casas particulares alugam quartos. Podem ser pedidos os contactos desses locais na farmácia local e no restaurante O Castelo.



Ao dirigir-me para o abrigo aproxima-se de mim uma peregrina que me pergunta em Inglês se vou ficar no abrigo.

- Sim.

- Já lá está um casal e só há mais um colchão.

- Então não há lugar para mim, chegaste primeiro ficas tu com o colchão.

- Sim…mas acho que há outros sítios.

Dentro do abrigo está um casal de Brasileiros. Dizem-me para ir à farmácia, que lá posso obter mais contactos. O abrigo tem mau aspeto. Percebo pela cara da peregrina que não quer ficar ali. Ela olha para nós sem perceber o que dizemos. Traduzo:

- Não fico cá, vou à farmácia pedir mais contactos.

- Importas-te que vá contigo?

- Não.

A peregrina chama-se Ana e é da Hungria.

Na farmácia ligo para uma senhora que tem um quarto livre e que nos vai buscar num instante. Somos levados para uma casa bonita com vista para a torre de Vilarinho. O quarto fica numa arrecadação independente da casa principal, tem um beliche e uma cama, mais uma casa de banho e salinha de estar. O aspeto é impecável. Tudo novo, limpo e sossegado. Ana não se importa de ficar e partilhar o quarto comigo, eu também não me importo.



- Na Hungria sou massagista – diz – posso fazer uma massagem aos teus pés, se quiseres.

-Ok, depois do duche.

Ana veio em autocarro de Madrid para Fátima. Não gostou de Fátima e seguiu para o Porto, onde começou o caminho. Quer ir até Muxia. Já fez o caminho Francês desde Saint Jean Pied de Port.

Pelourinho da Sé, Porto

Rua das Flores, bifurcação. Caminho de Braga ou Barcelos

Araújo

O desvio que segui em Araújo, a pior opção

O tal cruzamento perigosíssimo, EN 13 depois de Araújo


Maia

Padrão de Moreira





domingo, 11 de março de 2012

Fafião


Os fojos eram armadilhas para caçar lobos. Dois muros de pedra que se vão afunilando, aproximam-se um do outro, obrigando os lobos a correr até um buraco escavado no solo, disfarçado com madeiras e palha.

O Fojo do Lobo aparece assinalado nas placas de estrada como local de interesse cultural. Hoje restam os muros e o buraco. Vestígios dos tempos em que  numerosas alcateias vagueavam pelas serranias do Gerês, atacando rebanhos e destruindo os poucos haveres dos pastores. O lobo ibérico é  uma espécie em vias de extinção, protegida por lei, fugidia e quase impossível de observar no estado selvagem.

O Percurso pedestre começou em Fafião, aldeia do concelho de Montalegre, nas faldas do Gerês. Existem indicações de trilho pedestre de acordo com as normas da Federação Portuguesa de Montanhismo, no entanto creio que não fizemos esse trilho. Confiamos nas indicações do nosso GPS, melhor conhecedor do Gerês. Embrenhamo-nos pela serra dentro em direção a um riacho quase seco, mas ainda com água suficiente em alguns locais para dar o primeiro mergulho do dia. Água gelada que rachava os pés. Só alguns corajosos e suficientemente malucos conseguiram mergulhar e permanecer dentro de água mais de cinco segundos.

Eu tive coragem para molhar os calcanhares  e aguentá-los   dentro de água   três segundos.

 
Depois de uma bela estirada ao sol, e de quase adormecer numa sestazinha reconfortante, reiniciamos o caminho por uma subida íngreme e inverter o sentido da marcha para regressar a Fafião. Cruzando outro riacho com um aspeto mais deslumbrante do que o anterior:
água translúcida a brilhar nas  lajes de granito batidas pelo sol.

 Eram três da tarde, estávamos suados, com a digestão feita e nada como tentar o segundo mergulho da caminhada.
A água continuava gelada, mas o calor era suficientemente apelativo para mais um banho.
Desta vez fui um pouco mais corajoso e consegui mergulhar até aos joelhos.

Depois, num gesto de grande ousadia, intrepidez e rara coragem, fechei os olhos, tapei o nariz e inclinei-me meio metro para molhar a cabeça.
Ao fim de umas longuíssimas centésimas de segundo fugi a todo o gás da água. Já não aguentava mais semelhante tortura.

Para tamanho sofrimento ouve a recompensa devida com um banho de sol, estendido nas lajes macias e polidas do granito. Conversando e observando o sardão que nos veio fazer companhia.

Uma estranha conversa surgiu então em plena serra do Gerês sobre a Teoria da relatividade, Einstein, a energia cósmica, o Binómio de não sei quem, mais a cartografia de Pedro Nunes. Quando fomos embora o sardão também saiu da sua laje e regressou ao local de onde veio.

Em Fafião os velhotes conversam à esquina da rua, as vacas barrosãs passeiam-se pela aldeia, um pastor com o cajado vem aos esses atrás de um vitelo. A idosa vestida de preto pendura roupa no arame. Os homens enchem a única tasca aberta. Nós fazemos o  lanche na esquina da rua, os cãezitos brincam e cheiram a nossa comida.

Fojo do Lobo